quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Os olhos e a gravata vinho


Vestiu o seu melhor terno, cinza escuro com riscados de mesma cor; uma camisa rosa muito clara e uma gravata vinho. Ao espelho, em frente, olhava-se enigmático, seus olhos nublados nada revelavam. Poder-se-ia, talvez, acreditar nas óbvias possibilidades humanas, mas, em se tratando de mente humana, nada é óbvio e tudo é possível, para o bem ou para o mal. Logo, enigmático olhava-se no espelho e enigmático ficou, assim, sem poesia. Pegou a chave de casa que colocara no bolso, mais por hábito mecânico que por lembrança, olhou-a sem expressão e jogou-a na mesa onde também estavam uma foto da filha, o cartão da sua conta corrente com a senha escrita no lugar da assinatura e algum dinheiro dobrado, preso com clipe. O ônibus que apontava já na esquina era o seu, mas precisava caminhar, olhar o bairro com uma certa lentidão, tocar nas pessoas. Andando, então, foi ao objetivo. O seu trabalho era em uma fábrica de montagem de caixas de isopor e produção de vários outros itens feitos com base no mesmo elemento: tijolos para laje, porta-garrafa, painel. Seu patrão lá estava, sentado preguiçosamente na cadeira de couro comprada à vista ao preço de cinco salários mínimos. E seu salário, àquele dia, completava três meses de atraso. Sua mulher já não dormia em sua cama há tempos, sua filha parara de estudar, trancara a matrícula nos cursos de inglês e natação. Sustentado estava pela esposa (que jogava isso em sua cara toda semana) e pela mãe (que, ainda viva, recebia aposentadoria da União). Olhar a cadeira e pensar nos três meses de salário atrasado era algo insuportável. Queria imensamente pegar o isqueiro e atear fogo ao monumento como forma de catarse, contudo, o que saiu do seu bolso foi mais um revólver que propriamente um fósforo. Olhou para o patrão que, assustado, molhara a calça e o chão; agora, seus olhos, outrora opacos, ganhavam vida, sentimentos, possibilidades! “Estou aqui pra pegar o que é meu”, disse com toda a afetação do mundo, seus olhos grandes. “Cê vai ser preso, cachorro, vou te dar o dinheiro e vou te...”, devolveu o patrão gaguejando, mas, antes de produzir outra frase transitiva, recebeu uma coronhada que lhe custou o supercílio. “Preso vou porque essa é a minha intenção, saio daqui e me entrego à polícia, isso é promessa”, os olhos continuavam acesos, elétricos. Pegou o dinheiro e saiu, agora sim, sinalizando para o primeiro ônibus que ameaçava partir. Infelizmente, na vida real, as chances de final feliz com revolver no bolso e suor de adrenalina são mínimas. Polícia que pára ônibus atrás de assaltante já vem de arma engatilhada e vontade canina. Os primeiros tiros não foram ouvidos por ele que já ao chão, olhava a gravata furada mas ainda vinho, a tinta que escorria pelo assoalho metálico que em nada lembrava os ladrilhos e o leiteiro de Drummond eram seus, de mais ninguém. Seus olhos, agora quase sem vida, voltavam ao oblíquo de antes e, estatelados, sozinhos, perdidos, aos poucos diminuíram, focalizando o nada, revelando algo impreciso, opaco, enigmático.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Isto se chama Observatório da Imprensa. Dines pode ter defeitos (e os têm, assim como todos nós humanos), mas que o seu projeto de monitoração é uma realização feliz eticamente e equilibrada, não há como discutir. Conclamo a todos que não conhecem tal observatório, mas que preza o respeito à cidadania e exige dignidade na informação que consome, a acessarem o sítio, vale a pena. "Você nunca mais verá jornal do mesmo jeito".
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/.
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O nome da coisa

Postado por Luiz Weis em 23/11/2007 às 9:06:23 AM
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Ontem foi dia de dilema nas redações brasileiras: como batizar a denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, contra o ex-governador, ex-presidente do PSDB e senador Eduardo Azeredo, o seu vice no governo e, ultimamente, ministro de Relações Institucionais, Walfrido Mares Guia?
O resultado está nas edições de hoje – e não parece respaldar em geral a teoria conspiratória de que a mídia iria jogar fumaça nos olhos do leitor para que não equiparasse o desvio de R$ 3,5 milhões dos cofres públicos de Minas na frustrada campanha de reeleição de Azeredo, em 1998, à compra de políticos no primeiro governo Lula, que entrou para a história sob o codinome mensalão.
Diga-se desde logo que a equiparação faz sentido. Nas palavras do procurador, uma coisa foi o “laboratório” da outra. É verdade que ele também afirma que as situações não são exatamente iguais.
“Exatamente” não são. O mensalão, por exemplo, teve periodicidade – daí o rótulo [criado pelo autor da denúncia, então deputado Roberto Jefferson]. Os seus beneficiários diretos já exerciam mandato parlamentar. No caso anterior, o período foi o de uma temporada eleitoral, quando se usaram recursos públicos estaduais para financiar candidatos – que, uma vez eleitos, decerto retribuiriam a ajuda do principal interessado, e o primeiro dos “ajudados”, Eduardo Azeredo.
Isto posto, quando já se desconfiava de que o procurador-geral seria tão pouco leniente com os tucanos como foi com os petistas, houve quem previsse que a mídia, ela sim, cobriria a esperada denúncia com a preocupação de distinguir as duas "situações", como diria o procurador – embora tenha sido um jornal insuspeito de lulismo, o Globo, o primeiro a revelar o escândalo. Por sinal, em julho de 2005, quando a barca do mensalão corria em todas as manchetes.
Hoje, os termos “mensalão tucano de Minas” estão na manchete do Globo. Já a Folha estampou no alto da primeira página as palavras “esquema de corrupção do PSDB”.
O Estado também falou em “mensalão tucano”. Mas, no sub-título, usou “esquema de caixa 2”. Se de caixa 2 se trata – como querem os tucanos que se puseram a absolver de antemão o seu senador – mensalão não é. E vice-versa.
No Valor – espantosamente, dada a costumeira qualidade da cobertura política desse jornal voltado para a economia – o assunto só aparece numa página interna e de forma peculiar: abaixo da saída de Mares Guia e sob um título que é um despiste – “Caixa 2 do PSDB mineiro chega ao Supremo”.
Dos quatro, com a agilidade costumeira, a Folha foi o único a já sair com editorial a respeito. Mas o texto tropeça nos próprios cadarços ao falar em “mensalão mineiro” logo antes de falar em “mensalão petista”.
A assimetria é clara. Mensalão mineiro faz par com mensalão nacional, ou federal. E mensalão petista, também por uma questão de coerência, demanda que se escreva mensalão tucano.
Pior foi o cacoete de chamar Mares Guia nos títulos de “ministro de Lula”, como se pudesse ser ministro de outro alguém. Lula, aliás, aparece ao lado dele, desacorçoado, com a mão na testa, tanto na primeira da Folha como na do Estado. Tudo bem: é foto para ninguém pôr defeito. Mas que faz falta, ali, uma imagem de Azeredo, vai sem dizer.
Jornalisticamente, a pá de cal no contorcionismo tucano de sugerir que Azeredo – se tanto – cometeu um pecado venial, ao passo que o pecado petista era mortal, foi a analogia da manchete da página 12 do Globo:
“FH repete Lula e pede apuração sobre Azeredo”.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Cristo

Olha que coisa maravilhosa a Vais é capaz de produzir! Essa é daquelas que mergulham (e eu vou junto, que não sou bobo) e a gente se comove.

http://www.cantodasformas.blogspot.com/, passa lá! Vale a pena.

Cristo
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Disseram-no Rei

Das vestes simples, pensamentos nobres

Nasceu assim e assim viveu

Amante simples da pesca...

Das putas,dos malditos, dos excluídos:

- Escória daqueles mundos!

Fez, falou, pregou e foi pregado.

Sangrou e viveu e morreu e viveu.

Um Rei sem posses- Deus!

O maior dos anarquistas, graças ao Aníbal.
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domingo, 18 de novembro de 2007

Esta letra de música faz parte dos grandes sucessos de um conjunto que nunca existiu, mas fez muito estardalhaço no éter. Portanto, abro espaço para a (verdadeira) discoteca dos sonhos:


Chuva vai varrendo
Essa saudade que insiste em ficar
Escondida do vento (que é tempo)
Que chia chamando a chuva
(Pra afogar a saudade que insiste)

Chuva que chega chorar
Compartilhando do Amor distante
Lavando essa coisa em meu peito
Que pesa e não diz a que veio

Chuva que ofusca esse sol de ser-tão
Molhando as palavras de dentro
Sempre esperando o que é belo
Romper em sete cores

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Omissões da Imprensa

Este texto maravilhoso pode ser encontrado esta semana no sítio do Observatório da Imprensa.
É possível saber, às vezes, a base intelectual de certos jornalistas ou profissionais de igual responsabilidade quando nos deparamos com algumas notícias. Bem, é claro que muitas vezes é o jornal que pensa ser o leitor um retardado-marionete... E olha que há muitos jornalistas pensando o leitor, ouvinte ou telespectador como um Homer, sentado à poltrona, bebendo cerveja e babando enormes imbecilidades.
De toda a produção textual elaborada pelo senhor Carlos Brickmann, só discordo da "ode ao Corinthians". Sou flamenguista e quero mais que o Corinthians...
Enfim, boa leitura!
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Histórias que gostaríamos de conhecer
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Por Carlos Brickmann em 13/11/2007
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1 – A Polícia Federal desfechou uma série de operações, com muita gente presa. E com um comportamento novo (e elogiável): sem espetáculo. Não havia câmeras de TV, nem repórteres disfarçados de agentes, nem a humilhação pública de pessoas que, por enquanto, são apenas suspeitas; conforme a lei dos países civilizados, mantêm-se inocentes até prova em contrário. Mas que pena! Não houve repórteres para nos contar que mudou, o que mudou, por que mudou e como mudou.
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2 – No dia 21, o Brasil joga com o Uruguai, em São Paulo. No dia 9, os 56 mil ingressos à venda se esgotaram em duas horas. Talvez o insopitável impulso de ver um jogo que ainda ninguém comenta e que por enquanto merece reduzido espaço nos meios de comunicação tenha feito com que nosso povo modificasse a tradicional mania de deixar tudo para a última hora e se precipitasse, à média de quase 500 pessoas por minuto, à compra antecipada de ingressos. Ou, quem sabe, pode ser que os ingressos tenham caído nas mãos de cambistas, que os revenderão, mais perto do jogo, a preços bem menos convidativos. Mas que pena! Não havia repórteres nas filas de ingresso, para ver quem compra, e quanto.
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3 – Ricardo Teixeira, presidente da CBF, é um homem rico? Se não é, que outras atividades exerce que lhe permitem receber alguma remuneração? Se é, de que se compõe e como foi formada sua fortuna? Que pena! Este colunista não encontrou nada a respeito da vida financeira deste personagem, que comandará a Copa do Mundo de 2014, com investimentos de alguns bilhões de dólares.
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Debaixo do sal
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A descoberta do campo de Tupi, na Bacia de Santos, é uma das melhores notícias recebidas nos últimos tempos pelo Brasil. Mas não é uma notícia nova: há dois anos, a Gazeta Mercantil já descrevia o novo campo – sem números, mas prevendo que seria grande. Há quem diga que o presidente Lula optou por uma nova divulgação da notícia velha para contrabalançar as informações sobre problemas no abastecimento de gás. Mas, se isto tivesse ocorrido, o mercado não reagiria com tanta euforia, jogando dinheiro nas bolsas, aqui e no Exterior. Quem trabalha com dinheiro é, por definição, muito cauteloso.
Talvez a novidade, agora, seja a posse da tecnologia para buscar petróleo a tamanha profundidade – uma tecnologia que, quando se achou o campo, há alguns anos, não era ainda disponível. Pode ser também que a tecnologia já existisse, mas a tal custo que não compensaria explorar o novo campo. Hoje, com o petróleo no preço mais alto da história, já valeria a pena explorá-lo.
Que pena! O debate se partidarizou. Quem é contra o presidente Lula acha que é tudo uma farsa, quem é a seu favor festeja o petróleo farto. E os repórteres, que poderiam nos contar algo mais sobre o tema, quando trarão suas conclusões?
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Pitada de sal
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A imprensa noticiou amplamente que o presidente Lula, durante o Vôo da Alegria à Suíça, contou a várias autoridades que a Petrobras tinha descoberto um imenso campo de petróleo na Bacia de Santos. Mas – o que foi notado apenas por poucos colunistas – isso seria um crime: há regras rígidas e específicas para divulgar notícias que possam influenciar a cotação de empresas cotadas em Bolsa. Não é questão, apenas, de investigar burocraticamente a movimentação de compras e vendas de ações da Petrobras: é o caso de a CVM investigar especificamente os integrantes da nutrida comitiva que esteve na Suíça com o presidente, para evitar fofocas e comprovar que nenhum deles andou usando inside information para negociar Petrobras.
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Óbvio em destaque
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O secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, disse que o Brasil, se quiser mesmo um lugar permanente no Conselho de Segurança, precisa aumentar sua base de apoio. É óbvio: se o senador Renan Calheiros quiser ser presidente da República, precisa aumentar sua base de apoio. Se o Íbis quiser ter a maior torcida de futebol do país, precisa aumentar sua base de apoio. Óbvio – mas mereceu chamada de primeira página, e assinada. E nós, jornalistas, ainda criticamos os técnicos que dizem que para ganhar é preciso fazer mais gols que o adversário.
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Impório
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A história é engraçada: uma quadrilha disfarçou um carro para entrar num condomínio de luxo e assaltá-lo. Mas fracassou porque, no adesivo com o nome de um tradicional empório paulistano, escreveram "impório".
1 – A Polícia muito se vangloriou, e os meios de comunicação fizeram a gentileza de publicar o caso, com todos os detalhes. Agora os bandidos sabem que, se quiserem ter êxito em futuros assaltos, precisarão tomar cuidado com este tipo de detalhe.
2 – A imprensa ridicularizou a falha dos bandidos, mas chamou-a de "erro de ortografia". Pois é: se é erro, não é "ortografia", que significa "grafia correta". Foi, isso sim, um erro de grafia. Coisa pequena – mas não pode acontecer com quem critica os outros exatamente por esse motivo.
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Pagando o passe
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A propósito, um grande jornal disse que os torcedores do Corinthians queriam "saldar" o goleiro Felipe.
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A grafia oficial
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Esta é da Secom, a Secretaria de Comunicação do Governo Federal:
Brasil investi R$ 122 bilhões em petróleo e gás até 2012
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Bi, tri, penta
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Na discussão entre Flamengo e São Paulo para ver quem é pentacampeão brasileiro, ninguém tem razão: nenhum dos dois ganhou o título cinco vezes seguidas. Pode-se discutir qual dos dois foi o primeiro a ganhar o título por cinco vezes, o que lhe daria a posse definitiva de uma taça; mas pentacampeão nenhum dos dois é (nem o Brasil, a propósito: o Brasil é bicampeão do mundo, com os títulos de 58 e 62, e no total foi cinco vezes campeão).
Apenas para efeito de demonstração: se ganhar cinco vezes, sem seqüência, atribuísse a um time o rótulo de pentacampeão, como se rotularia o Glorioso e Insuperável Corinthians, clube preferido deste colunista, dezenas de vezes Campeão Paulista? Além, é claro, de Campeão Mundial Interclubes da FIFA.
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Destaque merecido
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Todo mundo é contra o racismo, exceto na hora de agir. A repórter Maria Cristina Fernandes, do Valor, agiu: escreveu magnífica reportagem sobre a formatura da primeira turma da UniPalmares, a Universidade da Consciência Negra Zumbi dos Palmares, iniciativa da comunidade negra para garantir a formação superior de pessoas que, discriminadas, muitas vezes não conseguem espaço para se desenvolver academicamente. Detalhe: a jovem Unipalmares tem, em seus quadros, mais mestres e doutores do que o número exigido pelo Ministério da Educação.
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Cristal voador
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Está na grande imprensa: entre incidentes (menos graves) e acidentes, houve 75 ocorrências com aviões no Brasil, em 2007. Agora a grande pérola: A expectativa oficial da Aeronáutica é de mais dez acidentes no ano.
Ah, as estatísticas! Se, em cada grupo de cinco pessoas, uma é chinesa, seu quinto filho será obrigado a nascer de olhinhos puxados?
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E eu com isso
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Conrad Hilton, marido da belíssima estrela de cinema Zsa Zsa Gabor, criou a rede de hotéis Hilton. Mais do que isso, criou o conceito de hotel com padrões conhecidos, em que o tipo de acomodações e de serviço é o mesmo onde quer que o hotel se localize. Hilton é o pai de todas as grandes redes, como Sheraton, Marriot, Meliá, Sofitel; e bisavô de Paris Hilton.
E por que se notabiliza Paris Hilton?
Segundo a imprensa de fofocas, sua foto alivia a dor de ratos de laboratório.
Este colunista, que não passa sem notícias de Paris Hilton (até porque aparecem em tudo quanto é lugar) tem uma tese sobre o tema: os camundongos sabem que, se continuarem demonstrando sintomas de dor, correm o risco de ser submetidos a outras fotos de Paris Hilton.
E há mais noticias sem as quais não podemos passar
1 - Jennifer Lopez continua sem revelar suposta gravidez
2 - Namorada termina com o príncipe Harry
3 – Juliana Paes em balada eletrônica
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O grande título
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Semana muito rica, esta. Há títulos excelentes:
1 – Grupo Café realiza chá beneficente
2 – Menina com quatro pernas estranha a falta de membros
Há um título tranca-línguas muito interessante:
Deputado fala com Lula e diz que já não apóia re-reeleição
Mas o melhor, até por seu aspecto enigmático, é este:
Britânico é condenado por assédio com cenoura.
Consta, nas lendas da categoria, a história de um jornalista famoso que certa vez precisou de auxílio para livrar-se de um incômodo pepino. Deve ser lenda, apenas. Mas resta uma pergunta: o uso de legumes e raízes configura assédio?

sábado, 10 de novembro de 2007

Verdade nada absoluta

Certas situações ou críticas só deveriam ser feitas depois de muito empirismo. Assim como, ontem achava o máximo ter personalidade própria e, hoje, acho tal frase de uma redundância “descerebral”, certas coisas que acreditava serem exatas, hoje, são apenas coisas que passaram e nada acrescentaram (com rima e tudo, mas sem poesia).
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Digo isso por causa de um churrasco, e eu sou fã incondicional de churrasco e cerveja (foda-se se morro enfartado, viver no Rio e ganhar salário quase mínimo é mais prejudicial), uma crítica que fiz e o “tempo-senhor-da-verdade”.
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Aliás, assim como qualquer admirador de Sartre, Jaspers e existencialistas de iguais parâmetros, não acredito em verdades absolutas – o que deve ser um erro aos olhos de Deus, caso o barbudo exista.
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No tal churrasco, um amigo em comum, cunhado do dono da festa, teve o carro roubado quando já entrava na garagem da sua casa. Sua preocupação não era o veículo, mas a filha de cinco anos que estava, ao cinto, no banco de trás. Os diálogos que aconteceram não foram registrados pelo homem, ocupadíssimo em salvar a menina que, a esta altura, já estava com a arma apontada para a cabeça. Quase tomou um tiro pela demora, mas no fim, as coisas saíram a seu favor (se não for ironia escrever isso). No churrasco, meses depois, confessou que, se tivesse a chance, mataria os dois assaltantes – não por terem roubado o carro, mas pelo apontar de uma arma para o rosto da sua menina. Na época, dei uma de sociólogo e cometi a prudência de dizer que a morte não justifica porra nenhuma e que os dois sujeitos eram mais vítimas do que “vitimadores”. Enfim, fiz o certo, fui centrado. A verdade cabível é esta: muitos roubam porque a vida só lhes deu isso de esmola.
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Três anos depois, vejo-me sentado ao chão da sala com minha filhota de um ano e meio falando coisas ainda incompreensíveis a mim, mas fundamentalmente majestosas. Penso no amigo em comum e no revólver apontado para a sua cabeça e a da sua filha. Continuo acreditando nos direitos humanos e na falta de direitos que o pobre (fodido) deste país tem para suportar. Direitos negados pela mídia golpista, por cineastas intelectualóides, governo lambe-saco de imperadores e por aí vai. Contudo, devo admitir: mato o primeiro que fizer mal à minha flor.
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Admito isso aqui para dizer o óbvio ululante e – se Deus quiser – inverídico (paradoxo?): o nosso amor só dura o tempo de uma arma na cabeça de quem amamos.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

"Repeat" na penumbra

A sala pequena, mas com um certo conforto e praticidade, estava em penumbra e ele, ao lado das caixas de som, quieto, um pouco úmido por dentro por causa das duas músicas que, no “repeat”, tocavam sem parar: Claire de lune e Tristesse. Vez em quando balançava o copo de vinho tinto Merlot que, em promoção em algum Carrefour, trouxe displicentemente. Era um romântico e, às vezes, soltava-se pelos cantos da sala e, preso à música e ao vinho – ambos instrumentos inseparáveis – só saía depois que seu espírito melancólico dava sinais de cansaço. Nesse momento, as teclas do piano atingem-no em cheio. Trepidando parte de sua emoção contida pelo aperto das faces, a retenção de um músculo, a paralisia diante do acorde magnífico e doloroso. O ar pára, os pulmões não se mexem à espera da última nota, àquela que, como a nicotina, será devastadora e completa. De repente, alguma coisa está sendo dita, martelam-se voluptuosa e atabalhoadamente o canto e, tão de repente quanto, tudo cessa, um espaço para o silêncio é totalmente justificável; a última nota vem aí, trôpega, soluçando, mas com um visco, um vigor decisivo. Intenso. Ele aumenta um pouco mais o som, pois a última nota vem aí e a orquestra de sentimentos vai suspirar e deixar-se abater como em catarse. Ele sabe que, assim como a tristeza ou a felicidade, a música vai acabar, vai transpirar e virar outra coisa. O caminho é sempre esse. Ele sorri depois de algum tempo, o gosto do vinho e a imagem da musa ficaram na boca. Engraçado como certas músicas trazem a personificação em seus acordes. A vida faz mais sentido com um pouco de música e amor.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Ela, Alice. Ele, Renato

o blogue Sétima Letra é sempre acessado quando procuro uma brisa, um acalanto. A beleza das palavras que lá encontro é como um bálsamo. A verdade é que Ro Druhens sabe ser beleza.




Vamos à produção do poema em prosa:


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E o Renato jogava basquete no clube onde a Alice ia debutar. Tempo dos Beatles. Mas foi durante a Valsa dos Namorados que o Renato disse no ouvido da Alice "I love her"... Naqueles idos o Renato não falava inglês, era tempo de pré-nomes e o Renato desconhecia os pronomes. Mas a Alice entendeu que aquilo era um I love you e no dia seguinte foram ao cinema.
Primeiro beijo na boca.
E o Renato fazia Engenharia na mesma faculdade aonde a Alice fazia Sociologia. Tempo de bossa-nova. E foi depois de uma reuniãozinha de violão que o Renato disse pra Alice "quero a vida sempre assim, com você perto de mim...” Naqueles idos a Alice andava muito engajada nos movimentos estudantis, era tempo de nomes de guerra e a Alice achava o amor muito burguês. O Renato entendeu que aquilo era um adeus e no dia seguinte não telefonou.
Primeira lágrima.
E o Paulo, marido da Alice era diplomata e foram morar na Bélgica. E a Lúcia, mulher do Renato era pianista, com agenda de concertos na Europa. Tempo de Pavana para uma Infanta Defunta...Naqueles idos a Alice andava entediada, era tempo de sobrenomes e o Renato achava o casamento muito frágil. Depois de tantos anos, o foyer do teatro. O Paulo entendeu que deveria convidar a Lúcia e o Renato para jantar, e houve afagos nos olhares e saudade nos gestos.
Primeiro arrependimento.
E o Paulo morreu num acidente. E a Lúcia pediu o divórcio. Tempo de Cazuza... Naqueles idos a Alice foi morar no sítio, era tempo de codinome beija-flor e o Renato namorou Ana Maria. Até que um dia, na fila de check-in em um aeroporto... E a Ana Maria viajou sozinha.
Primeiro amor, eterno amor.


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Ro Druhens

domingo, 4 de novembro de 2007

Ela e o livro


Acabara de fechar As Moscas, de Sartre, e a certeza do bom livro, assim como o bom vinho, ficou na boca durante um tempo. Outra certeza era o amor pela filha e todas as suas pirraças, manhas, choros e aquele sorriso espontâneo que vem de lugar nenhum e irradia o coração do sol, que dá vontade de abraçar a tarde toda, infinitamente. O amor sufoca? Será que enche o saco ao outro lado? Mima? Meditava sobre o amor e a resistência quando os primeiros pingos caíram, suaves aqui, pesados acolá, desproporcionais como o caos, mas com uma liberdade confortante e, quiçá, estável. Levantar da cadeira disposta no lugar mais fresco do quintal resultou num exercício difícil, mas os pingos aumentaram, Sartre continuava em sua mão e sua filha corria em sua volta, formando círculos indecifráveis. Pegou-a pela mão esquerda e conduziu, ela e o livro, até a sala. A partir daí a chuva ganhou proporcionalidade e caiu em todo o seu vigor e explosão. O terraço em alumínio do vizinho dava a impressão de guerra, no quintal tudo era ensurdecedor. Ficara tanto tempo à porta olhando o torrencial desabar que, como em um mantra, entrara em transe; seus olhos distantes, opacos, a chuva caindo dentro e fora e o imenso espaço sendo inundado – água tomando os centímetros. Foi quando começou a chorar. Foi quando decidiu entrar na chuva por dois motivos: estava disposto a lavar metaforicamente alguma coisa dentro, assim como era necessário esconder o seu choro soluçar da filha que o olhava justamente com aquele sorriso. Algo cíclico chegara ao fim e não era o amor pela filha ou a chuva que resolvera transbordar outros quintais e corações. A sensação de liberdade era palpável e ele pôde contemplar, mesmo encharcado, o outro lado do fim.

sábado, 3 de novembro de 2007

If God Will Send His Angels

Mesmo se Deus (caso exista) enviasse os seus anjos, estaríamos a salvo? Acho que algumas figuras políticas e/ou públicas andam fazendo do mundo prostíbulo ou supermercado. Parece música sertaneja cantando o orgulho de ser caipira em ternos Armani, mas é U2 mesmo. Bem, prefiro eles, apesar da chatice ingênua do Bono.
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Nobody else here baby no one here to blame
No one to point the finger... It's just you and me and the rain
Nobody made you do it, no one put words in your mouth
Nobody here taking orders when love took a train heading south
It's the blind leading the blond
It's the stuff, it's the stuff of country songs

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Hey, if God will send his angels
And if God will send a sign
And if God will send his angels
Would everything be alright?

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God's got his phone off the hook, babe would he even pick up if he could?
It's been a while since we saw that child hangin' round this neighbourhood
See his mother dealing in a doorway see Father Christmas with a begging bowl
Jesus sister's eyes are a blister... The High Street never looked so low

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It's the blind leading the blond...

It's the cops collecting for the cons
So where is the hope and where is the faith... and the love?
What's that you say to me
Does love light up your Christmas tree?
The next minute you're blowing a fuse
And the cartoon network turns into the news

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If God will send his angels
And if God will send a sign
Well if God will send his angels
Where do we go?
Where do we go?

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Jesus never let me down you know Jesus used to show me the score
Then they put Jesus in show business now it's hard to get in the door

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It's the stuff, it's the stuff of country songs
But I guess it was something to go on

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Hey, if God will send his angels
I sure could use them here right now
Well, if God will send his angels...
And I might not want my life
I want my lover feel my soul
And I want my love and I
And I want to feel alone
How?
Where do we go?
Where do we go?

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U2 - álbum POP

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Tudo vira bosta

Impressionante como (quase) tudo neste país vira politicagem, chantagem ou coisa de mesma calibragem; infelizmente, raríssimas são as vezes em que encontramos boa rima ao avistarmos muitos políticos juntos, sorrindo e, acima de tudo, deixando um pouco de lado a posição ou oposição que ocupam.
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Assim foi ao assistir a escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo de Futebol, organizado pela FIFA. Muitos políticos, muitos sorrisos (exceção ao presidente da CBF), muito nada. No quadro e na foto que virará moldura, tudo fora de ordem: Romário no lugar de Pelé? Dunga como técnico? Paulo Coelho? Pois é, como já escreveu Caetano... Aliás, alguém poderia explicar o que foi àquela resposta do Ricardo Teixeira sobre violência? Na hora imaginei minha querida poetiza Acantha pedindo os sais...
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Mas não é a isso que dedico este texto surrado, mas sobre algo que li no Jornal do Brasil desta quinta (01/11) e deixou-me (e não deveria mais, pois isto é Brasil) indignado: a constatação de que, para que certas cidades sejam escolhidas e certas imagens não sejam “queimadas”, alguns políticos já “formam quadrilha” por baixo do pano com o intuito de abolir quaisquer CPIs contra o futebol (melhor dizendo, com o que há de podre nele). Um dos planos já se encontra a todo vapor com a retirada de várias assinaturas da CPI do Corinthians.
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Impressionante como (quase) tudo neste país vira politicagem, drenagem ou coisa de mesma bandidagem. Repetidamente.
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“Tudo vira bosta”.