quarta-feira, 31 de julho de 2013

O choro de Cabral e o choro de Amarildo


"Não me dão pena os burgueses
vencidos. E quando penso que vão me dar pena,
aperto bem os dentes e fecho bem os olhos.
Penso em meus longos dias sem sapatos nem rosas.
Penso em meus longos dias sem abrigos nem nuvens.
Penso em meus longos dias sem camisas nem sonhos.
Penso em meus longos dias com minha pele proibida.
Penso em meus longos dias".


("Burgueses", de Nicolás Guillén)


Portinari - Retirantes

Nicolás Guillén é um poeta maior. Poeta e revolucionário. Quando essas duas coisas se juntam numa só pessoa, virtudes das mais nobres entre as outras, temos aqueles raros: os imprescindíveis. Teoria e prática, intelectuais e homens de ação... Guillén, Ernesto Cardenal, Marti... Pensei muito em Guillén na tarde dessa segunda-feira. Perseguido tantas vezes na ditadura de Fulgêncio Baptista, voltou para Cuba depois da saída do tirano. E quando alguns de seus algozes foram presos, perguntaram a ele o que sentia. Respondeu com o poema "Burgueses", (com trecho acima reproduzido). 

Lembrei-me de Guillén ao ver o governador do Rio acuado, em tom choroso, pedindo ternamente, feito um menino indefeso, que os manifestantes deixassem de fazer seu legítimo protesto próximo a casa dele. Não teve o pudor em poupar o nome e a idade dos filhos para alcançar seu intento. Já não tivera pudor para botar os filhos no helicóptero do amigo empreiteiro da Delta. Mas crianças são crianças e sempre nos tocam. Por algum momento, tal qual o poeta, pensei que iam me dar pena. Por algum momento, pensei em considerar seus argumentos.

Mas tal qual o poeta, apertei bem os dentes e fechei bem os olhos. Pensei nos filhos de Amarildo, o pedreiro da Rocinha que sumiu depois de ser visto pela última vez nas mãos dos servidores de Cabral, símbolos da política de segurança do governador. Tal qual o poeta, pensei nos longos dias da mulher e dos filhos de Amarildo. Sem camisa nem sonho, com a pele proibida...São tantos Amarildos nesse Brasil onde pobres não tem sapatos nem rosas nem tampouco direitos. Muitos no Rio de Cabral, que nunca pensou no filho de nenhum deles.

Tal qual o poeta, pensei nos longos dias das famílias da Maré, dos trabalhadores assassinados sem qualquer razão. Cabral ainda não falou sobre eles...Poderia lembrar de tantos outros como os da Maré...Pensei nos longos dias das pessoas vítimas de crimes forjados, prática tão comum por aqui, mais ainda com a política de Cabral.

Pensei nos meninos da Escola Friedenreich. Alguém há de me lembrar que ela é municipal. Não esqueci. Mas está saindo para que o governador melhor sirva seus amigos que ganharam o Maracanã. Tal qual o poeta, pensei nos longos dias sem abrigo nem nuvens daqueles meninos. Alunos de uma escola de excelência, forjaram ouro no meio do nada. Imaginem o trauma desses meninos quando souberam que iam sair dali. Cabral pensou neles?

Pensei de novo nos versos citados do poeta, dos dias sem abrigo nem nuvens (que imagem!) das vítimas das remoções criminosas de todos aqueles que estão no caminho dos "grandes eventos". Quão longos e traumáticos devem ser os dias dos meninos que tem um "X" desenhado na porta da casa humilde indicando que ela será posta abaixo. Cabral pensou neles? Alguém novamente lembrará que muitas dessas remoções são municipais. A força que dá o pé na porta é estadual. E afinal, seria ser muito idiota da objetividade achar que @sergiocabralrj e @eduardopaes_ são tão diferentes assim.

Pensei nos longos dias dos meninos que iam pelos braços dos pais na geral do Maracanã. Viam o jogo na carcunda dos pais, naquele ritual que todo homem sonha, o rito da passagem. Agora exclusivo dos que podem pagar o setor vip. Do Maracanã ferida que não fecha, como definiu tão bem Pedro Motta Gueiros. Destruído por Cabral rasgando a lei. Destruído com aval do IPHAN na calada da noite, como agem aqueles que não são transparentes. Ele mesmo que agora diz não ser um ditador. Ele mesmo que publicou o decreto 44.302/2013, da CEIV, Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas, que rasgava a constituição. Quem rasga a constituição é o que? O governador de tantos atos de exceção.

Por sorte, a sociedade civil e todos seus instrumentos se fizeram representar e vem forçando essa recuada do ditador que sonhou ser, acuado, patético como todo ditador acuado. Espécie de Sadam Hussein no buraco, Kadafi na manilha. Ele, Cabral, desnudo em sua patética biografia que vai se desmilinguindo. Que há poucos dias tirou os mesmos manifestantes debaixo de pauladas e gases, sem pensar nos filhos deles, na calada da noite. Agora, na fragilidade do buraco e da manilha onde os ditadores se esvaem, apela para um discurso emocional.

Mesmo pensando em nossos longos dias, não deixaremos de pensar em duas crianças. Que não pediram isso. Oxalá possam lá na frente superar o trauma do pai ter deixado tal obra. Realmente elas nada tem a ver com tudo isso. Não precisam ver que na esquina do pai deles falam um monte de verdades sobre ele. Ainda bem que tem a opção nesses dias de sair dali. Ir por um tempo para o Palácio das Laranjeiras. Ou quem sabe para a Mansão de Guaratiba. Talvez não dê mais para ir de helicóptero, abateram o governador-voador, o do reino do guardanapo, em plena farra aérea. Mas ainda dá para passar uma temporada longe dos protestos na mansão comprada com o suor do trabalho do pai deles. Desejo isso do fundo do coração. Crianças não tem mesmo que passar por isso.

Lamento apenas que os filhos do Amarildo não tenham palácios ou mansões pra onde correr. Lamento apenas que os filhos da Maré não tenham para onde correr. Lamento apenas que os meninos que iam na carcunda do pai na geral do Maracanã não tenham para onde correr. Lamento apenas que os filhos dos removidos não tenham para onde correr. E então, "quando penso que vão me dar pena, aperto bem os dentes e fecho bem os olhos". Pela certeza de que os acampamentos seguirão. Até que se preste conta de tudo. E para que se saiba que foi longe demais na farra.

Ps- se botar um pouquinho a cabeça para fora do buraco ou da manilha, o governador vai ver que as pessoas passam pelos acampados buzinando, abrindo a janela dos carros, gritando palavras de força. Para aqueles acampados pacificamente, vale dizer. E que os vizinhos, que poderiam estar incomodados, levam refeições, agasalhos. Pelo menos se pouparia de perder tanto tempo pensando em teorias da conspiração, manipuladores. É apenas a conta de tanto desmando que chegou. É aquela turma da "pele proibida" que veio cobrar a conta.


quinta-feira, 18 de julho de 2013

O homem que não estava lá



Perdido no meio de um parágrafo, embalsamado na sua própria confusão. Ele digitava um ponto e o final aparecia definitivo. Passar as mãos pelos cabelos oleosos não ajudaria, logo, correu para a copa, onde era certo beber um copo enorme de café, daqueles de cerâmica com desenhos de temática carinhosa, e tentaria parar de pensar nela. Mas ela estava na porra do copo de café com um coração desenhado, assoprando a quentura e retendo o sabor com aqueles lábios carnudos e delicadamente pintados; ela estava no nó de gravata dele, na escolha das suas camisas. Ela estava até na marca de cigarro que ele passou a gostar.

Dia seguinte, depois de acordar sozinho naquela cama enorme e imbecil, voltou ao texto como quem resolve mudar a vida, mas a covardia resolveu alterar o esquema e satisfez-se em adicionar outros novos parágrafos, dessa vez conclusivos e lindamente claros e enxutos. Entregou a encomenda, recebeu o dinheiro que o deixaria confortável por mais duas semanas. Ele precisava visitar a casa de praia, tomar um chope olhando o mar, enfim, pegou as chaves da casa e procurou por cinco minutos as chaves do carro até lembrar que o carro havia ficado com ela – a única coisa que ela afirmou fazer questão –, colocou o molhe das casas no bolso, disse um “até mais” ao porteiro e sumiu por entre certezas absolutas e certezas convenientes.

E foi uma semana bastante proveitosa. Estava há exatos sete dias sem fumar, havia caminhado pela orla todas as manhãs e tardes, comido saladas, engrenado conversas deliciosas com os vizinhos de veraneio – coisa que nunca fez! – e bebido à noite com outros novos amigos (e amigas). Ao retornar, era novo em folha e tinha um caminho promissor no terreno sentimental.

Acho que isso durou apenas o tempo para descobrir que ela estava trepando desesperadamente com um carinha do serviço que ele sempre via nas festas com um meio sorriso bem filho da puta direcionado a ele. Ficou arrasado, voltou a fumar, a beber com ignorância. Descobriu que era mais fraco do que pensava e que ali não era mais o seu habitat; precisava urgentemente sair ou sufocaria na dor, na vontade de sair por aí matando todo mundo, dizendo que era tudo uma besteira, uma merda só.

Voltou para a casa de praia, estreitou a amizade com os de lá, abandonou o antigo emprego por questões puramente geográficas e foi ganhar a vida num quiosque adquirido a preço de banana e com uma licitação sem sacanagem. Parou de fumar novamente, voltou a caminhar, mas o chope e a contemplação das espumas das ondas tornaram-se sagrados, juntos, encorpados. Foi numa dessas junções que conheceu Tarsila que odiava o amargor da cerveja, mas adorava uma maconha e fazia um sexo de deixar um fracote como ele de quatro, literalmente. E eles foram felizes pra cacete até o final do verão, quando chegou uma mensagem dizendo algo como “volta pra mim, Hans”.

Ele estacou. Sentiu um gosto esquisito na boca, uma afta decorrente da profunda ferida deixada sem muito cuidado dentro dele, enraizada. Foi a primeira vez que ele chorou de verdade. Não estava esperando uma coisa dessas. E tudo voltou com muita intensidade e de repente sentiu que ser feliz era como uma fina camada, a pele da água dentro de um copo prestes a transbordar e acabar com tudo. Sentiu uma vontade louca de ter as duas. Alguns instantes depois pode observar um lindo ódio brotando da sua irracional lógica. Teria que decidir. Não era fácil. Imaginava a ex dando pro carinha de sorriso preguiçoso e decidia pela sua atual, mas aí vinha a vida construída por anos e aquele sabor de alegria ao pensar na possibilidade de viver outra vez naquela casa passada com a ex.

Andou pelo calçadão com aquela dor e a alegria de ter o privilégio da escolha e a maldição de ter que escolher. E na completa impossibilidade de se decidir, sofrendo com a sua pequenez e lamentando o fato de ser profundamente fraco, resolveu que não decidiria coisa alguma. Ficaria na dele, sem dizer uma palavra sobre aquilo; sem dizer nada a ele próprio, soterrando a angústia no fundo daquele mar que corre dentro de nós.

A ex nunca receberia uma resposta à sua mensagem e, acreditando ter sido um erro a sua investida, resolveu seguir o seu caminho sem mais ninguém para atrapalhar os seus erros e acertos. E foi muito feliz dessa forma solitária e decidida. Uma forte, sempre.

A atual, depois de mais dois ou três verões, resolveu acabar com a maconha e casar com alguém mais prático, másculo e inevitavelmente seguro. Logo, decidiu que deveria abandoná-lo para o seu próprio bem e foi muito feliz ao lado de um lutador de mma com pedra nas mãos e muita luta para ganhar. Uma forte, sempre.

Quanto a ele... Dizem que vive por aí, alegre ou triste vez em quando, mas sempre fraco, como era de se esperar.


sábado, 13 de julho de 2013

Feliz 13 de julho!


Dirigia como um louco o seu automóvel novo com câmbio automático de 06 marchas. O sol escondia-se entre montanhas que ele conhecia bem, pois gostava de tracking e coisas do tipo. A noite acontecia de repente. E Lucevan Le Stelle, de Puccini, apunhalava o espaço interno do veículo. Alta velocidade pela estrada com pouca iluminação, igual a tantas outras a mercê de deus, mesmo privatizadas. E aquela insuportável e maravilhosa dor dava o tom da grandeza de sentir-se vivo, mesmo na dolorosa satisfação da penumbra. A noite aconteceu como um cobertor feito de crochê, buracos aos milhares como pontos de luz em meio à escuridão.

Leoncavallo fez a magnitude do som entrar em níveis mais densos e teatrais, um palco e um picadeiro, uma fantasia e um amargor saborosos, como chocolate. O véu que cobria a iluminação era quase uma Isis, um elemental sétimo ciclo. Ele compreendeu tudo isso enquanto o carro atingia a inevitável marca dos 140 km/h. Pourquoi Me Reveiller invadiu sem pedir licença. Quando 150 virou o número do contraste absoluto e da comunhão entre o paradoxo do sentir e transbordar e da solidão, que são espaços vazios, foi que percebeu o óbvio incontestável: a amálgama sofrida era também uma forma de viver. Paradoxal era a vida de todos nós. O motor não fez um rouco gostoso e cilindrado, pois a maneira automática não deixava termo para a amabilidade automobilística, mas ele foi capaz de ouvir o barulho, mesmo que instintivo, da desaceleração.

Abriu a porta do automóvel tinindo de novo e, ainda no meio da estrada, tão solitária quanto ele, abriu os braços e recebeu a luminosa lua em seus braços, lua de brilho solar, logo, outra amálgama entre o dia e a noite. A luz na escuridão.

E pensando isso tudo, caminhando em direção ao infinito, de braços abertos, olhos fechados e sorriso nos lábios, ao respirar profundamente, não notou o inconteste caminhão que vinha na direção contrária e, contrário à questão romântica da vida e, talvez, descendente daqueles Realistas de séculos passados, arremessou-o séculos à frente, numa atitude equivalente a queima de todas as harpas e violinos da filarmônica do Éden e, num 13 de julho, mundialmente conhecido, dando lugar a guitarras alcoolizadas e baterias rufando a felicidade clandestina e lispectoriana do mundo e dos ombros drummondianos que o suportam, mas sem perder a paixão e a atitude de mandar tudo, quando na adversidade, para a casa do caralho. 



segunda-feira, 8 de julho de 2013

Madiba vive!

"O nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes.
O nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida; é a nossa luz, não a nossa escuridão, que mais nos amedronta.
Perguntamo-nos: Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso e incrível? Na verdade, quem és tu para não seres tudo isso?... Sentir-se pequeno não ajuda o mundo. Não há nada de brilhante em encolher-se para que as outras pessoas não se sintam inseguras à tua volta.
E à medida que deixamos a nossa própria luz brilhar, inconscientemente, damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo"
.
(Nelson Mandela - discurso de posse da presidência da África do Sul, 1994)


Margaret Thatcher o chamou de terrorista. O péssimo presidente e pior ator do mundo, Ronald Reagan, também o colocou na lista de terroristas. Eles estavam certos. Ele foi preso por 27 anos justamente por ser o maior representante do terror na África do Sul.

Sim, meus amigos, Nelson Rolihlahla Mandela era um terrorista de mão cheia. Colocou tanto terror nos intolerantes que houve quem o quisesse calar; disseminou tanto horror na classe branca dominante que muitos o quiseram morto. E quando foi libertado, depois de décadas de jaula, aterrorizou a todos com a sua postura pacifista. Ao ganhar a Presidência da República do seu país, nada foi mais aterrorizante do que o seu discurso de igualdade, a sua visão fraternal e os seus gestos.

A África do Sul continua sendo um país de enormes desigualdades. Lá, a miséria espreita, o desemprego é grande, a sida e o estupro andam de braços dados e Soweto não é, infelizmente, mais um grupo de pagode.

A África é o antes do Brasil, é o marco zero, o antes de tudo de todos nós e do mundo. Claro que os meus olhos ficam especiais e parciais, assim como o sol que doura a minha pele negra.

E Madiba, você foi um homem bastante imperfeito. Com suas dores e biografia, você cometeu erros, o que o torna ainda mais maravilhoso. Você é humano. Carne, ossos e raiva, desejos, aflições, dúvidas, muitas e solitárias. Mas, cá entre nós, todos nós sabemos que isso não anularia o seu nome.

46664 foi você por anos, hoje o número é infinito, um Pi e um Phi mútuos e assustadoramente improváveis, amálgamos; o ouro e o círculo que nunca acaba.

Os gregos inventaram o conceito de democracia (governo do povo), os ocidentais no século XX a difundiram, tem um “império” anglo-saxão que a reivindica, apesar do paradoxo, mas foi com você que eu entendi o verdadeiro significado dessa forte e difícil palavra e foi por você que eu a defendi ferozmente nas mesas de bar ou na sala de aula.

Você é meu herói, Madiba, e heróis não morrem. Quando muito, afastam-se um pouco, mas sempre voltam, umedecendo a voz interior, acarinhando as nossas angústias, acalentando a todos nós com o seu sorriso, a sua dança e a sua tribo. Os homens melhoram na sua presença e você está em toda parte, em cada forma íntegra de viver, em cada olhar cúmplice de amizade. Como morrer se eu estou vivo? Se minha filha está viva? Se toda a África respira? 

Na falta de mais palavras para te saudar, cato as do Thiago Arantes :

Dirão, um dia, quando a última curva for feita, que Nelson Mandela morreu. Bobagem. 
Gente como Mandela não morre. Só cansa de ser imortal.

Sabe, tem um poema do Drummond em homenagem ao amigo Portinari que, particularmente, eu gosto muito. É o meu melhor poema do Drummond e o velho Andrade, para mim, é o maior de todos os poetas, então... Bem, eu o dedico a você.

PS.: eu te amo.

A Mão
Entre o cafezal e o sonho
o garoto pinta uma estrela dourada
na parede da capela,
e nada mais resiste a mão pintora.
A mão cresce e pinta
o que não é para ser pintado mas sofrido.
A mão está sempre compondo
módul-murmurando
o que escapou à fadiga da Criação
e revê ensaios de formas
e corrige o oblíquo pelo aéreo
e semeia margaridinhas de bem-querer no baú dos vencidos.
A mão cresce mais e faz
do mundo-como-se-repete o mundo que telequeremos.
A mão sabe a cor da cor
e com ela veste o nu e o invisível.
Tudo tem explicação porque tudo tem (nova) cor.
Tudo existe porque foi pintado à feição de laranja mágica
não para aplacar a sede dos companheiros,
principalmente para aguçá-la
até o limite do sentimento da terra domicílio do homem.

Entre o sonho e o cafezal
entre guerra e paz
entre mártires,ofendidos,
músicos, jangadas, pandorgas,
entre os roceiros mecanizados de Israel,
a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil
entre o amor e o ofício
eis que a mão decide:
todos os meninos, ainda os mais desgraçados
sejam vertiginosamente felizes
como feliz é o retrato
múltiplo verde-róseo em duas gerações
da criança que balança como flor no cosmo
e torna humilde, serviçal e doméstica a mão excedente
em seu poder de encantação.

Agora há uma verdade sem angústia
mesmo no estar-angustiado.
O que era dor é flor, conhecimento
plástico do mundo.
E por assim haver disposto o essencial,
deixando o resto aos doutores de Bizâncio,
bruscamente se cala
e voa para nunca mais
a mão infinita,
a mão-de-olhos-azuis de Cândido Portinari.


terça-feira, 2 de julho de 2013

Eu, os outros e mais Hootie & the Blowfish

4ª Parte:


E eu, bem, eu entrei numa banda que gostava de Hootie and the Blowfish, mas a coisa aconteceu depois, 03 anos depois de 1995. E foi neste ano em especial que essa coisa de banda se materializou. Estudava num colégio que tinha nome de um almirante histórico e que primava pela excelência dos concursos (na prática era só mais um colégio que se gabava de ter índices de reprovação altíssimos) e possuía professores maravilhosos, como o China (História) e o Carlos Gil (Literatura), e muitos babacas prepotentes que nem valem a citação. Carlos Gil foi tão importante na minha vida que a fodeu, literalmente, fazendo-me desistir da faculdade de Química para abraçar a cadeira de Literatura, ou seja, abandonei a vontade de ganhar dinheiro para ser feliz e, hoje, entre um Thomas Mann e um churrasco, um Saramago e uma cerveja gelada, penso no Gil.  Será que um dia serei um professor como ele? Nunca mais o vi. Pena. Gostaria de dar uma porrada e um abraço forte nele.

Foi nesse colégio que eu conheci figuras lindamente inteligentes como o Mitchel (baixista que foi pra Engenharia Química), o Julio Estrela (violonista que virou Marinheiro), O Leandro (baterista competente que foi pra Epcar ser cadete do ar) e o meu grande amigo Thiago Sá (guitarrista dos bons e companheiro de boa safra até hoje e pra toda a vida, um Irmão). Eu, que nada ‘arranhava’ de instrumento algum, mas sabia escrever, e esses caras formamos uma banda (o Júlio entrou depois) chamada Carpe Diem (por influência do Gil e do filme que ele e nós todos adorávamos chamado Sociedade dos Poetas Mortos). O Mitchel que batizou a banda de 03 instrumentistas e 01 letrista (hahahaha). Os ensaios eram todos na casa do Leandro.

Quando os ensaios passaram para minha casa, não sabíamos mas estava terminando. Eu já tinha um teclado para brincar e as letras começaram a ter um esboço melhor. Mas o baixista estava na UFRJ, o baterista foi ser piloto e o Estrela se debandou pra Marinha. Era o fim do nosso Carpe Diem e o começo de um outro Carpe Diem de outros (que eu nunca escutei, mas sei que existe por aí).

Eu, reprovadíssimo no almirante prepotente, fui terminar o Ensino Médio em Processamento de Dados no Instituto Olavo Bilac, em Nova Iguaçu. Assim que sento na carteira, quem encontro? Um camarada muito das antigas, do tempo em que eu estudava no Filgueiras, em Nilópolis, e namorava a famosa garota de cabelo James Dean e fã da Madonna. “Porra cara, você por aqui!” E numa dessas conversas nostálgicas foi que ele disse que tocava numa banda (ele e o irmão) e os ensaios eram lá na casa deles. Eram quatro figuras: 03 trabalhavam na mesma empresa e 01 vizinho. “Vai lá assistir aos ensaios. Você toca alguma coisa?” Porra, eu arranhava teclado, mas adorava ensaios de banda de garagem e era perto de casa. Fui.

E tinha, mesmo, um teclado ligado lá, meio à toa, fazendo parte do cenário. Coisa linda de se ver a estrutura da banda montada sobre tapetes, no quintal da casa dos irmãos Flávio (meu camarada) e Rogério Neves. “Você sabe tocar essa?” Era Daniel na Cova dos Leões. Sim!, claro qu`eu sabia! E sabia Ainda é Cedo. E sabia tudo da Legião. Pronto, estava em outra banda. A melhor banda que eu já participei.

O Flávio me deu uma gravação de um conjunto com nome estranho. Era Hootie & the Blowfish. “Escuta qu`eu tenho certeza de que você vai se amarrar; a gente toca umas músicas deles”. Levei aquele VHS gravado de outro VHS original e passei uns 03 dias com aquilo dentro do meu vídeo cassete direto. Porra, ele gravou uns três acústicos MTV e mais dois shows do Hootie. Não deu para fingir indiferença ante a voz daquele negão cantando Time e aquela banda tocando sobre tapetes! Simplesmente o Máximo!



E dormíamos todos lá, adotados pelos pais deles, todos os finais de semana. Era bom pra caralho! O Flávio já era casado e tinha uma filha linda, o Rogério tava quase lá e o resto não queria saber de nada. Tocávamos Legião, Hootie, Pearl Jam, Smashing Pumpkins, Collective Soul e as nossas músicas, claro, que banda de garagem que se preza tem que encher o saco nas festas com inúmeras músicas próprias. E tínhamos umas 20. Eu adorava. De início nos chamávamos Painel de Controle, mas já existia um conjunto antigo com esse nome (hoje, até forró tem) e, como gostávamos de Painel (a empresa dos 03 que trabalhavam juntos era na área de informática) e eu e o Flávio estudávamos processamento, o nome era uma luva. Achei que se invertêssemos o nome (Leniap), ficaríamos, de alguma forma, com o Painel de Controle. Não colou muito, mas até hoje eu me refiro a ela como Leniap e ainda imagino o espelho colocado no alto, nos fundos da plateia, virado para o palco, revelando o verdadeiro nome da banda (Sandra Camurça já havia perguntado isso).

O Hootie & the Blowfish rola até hoje no meu ipod, a banda tomou outros rumos; eu e meu brother Thiago Sá nos reencontramos musicalmente e fomos parar em outros conjuntos, sempre tocando rock, nos divertindo. Hoje eu teclo apenas esse pobre e ultrapassado computador, ele continua destilando ótimos acordes numa banda excelente que eu já tive o gostinho de participar, época de muito Joe Satriani, Steve Vai.

Bem, mas isso eu deixo pra outro dia. Quem sabe?

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