Não era para se
encontrarem. Quis a vida que fosse assim, num fast food qualquer. Ele com o seu
filho e, ela, com o mais velho dos seus três meninos. Ambos eram infelizes à
maneira deles, logo, sobravam longos dias de alegria, uns lampejos de tarde eufórica.
E assim viviam porque era óbvio e fácil viver no mundo moderno. Ela dedicava-se
a educar os filhos e a cuidar da carreira de médica. Ele dedicava-se a ser
melancólico e irremediavelmente chato, principalmente quando bebia, e isso era
sempre.
Os filhos de
ambos pediram hambúrgueres nojentos e gordurosamente gostosos, ele se contentou
com fritas e refrigerante que veio com uma quantidade absurda de gelo; ela
pediu milk-shake. Ele disse algo básico do tipo “como vai, faz tanto tempo...
Você continua a mesma, seu filho é lindo...”, enfim, as coisas simples e
seguras de sempre que anulam qualquer gafe. Ela sorriu um sorriso filho-da-puta
de encantador e sugeriu que se sentassem na mesma mesa e os filhos na outra, ao
lado.
Ele se sentou e
iria encaixar outra frase-feita e desnecessária quando recebeu a frase dela
primeiro: “Eu não sou feliz, Pedro.” Ele congelou. Jogou uma boa quantidade de
refrigerante aguado na boca e esperou pelo prosseguimento da frase. Fez bem.
– Às vezes
penso que foi um erro terrível não ter insistido na relação. A verdade é que
quando ele sai, eu sei que ele está trepando com outra e... Quer sinceridade? É
a parte feliz do meu dia.
“Deve ser
difícil”, e isso foi tudo o que conseguiu dizer sobre aquele bálsamo que
recebera sem pedir. Ficaram um longo tempo com os olhos nos olhos. “Você
deveria ter casado comigo” foi a outra frase que disse enquanto ela fazia
alguma força para que o milk-shake chegasse à boca. Fez mal.
Então, a mulher
colocou o copo na mesa, entrelaçou as mãos e disse a única coisa que poderia
ser dito naquele momento:
– Vai à merda,
Pedro.
“Você vem
deprimida, fala de infelicidade, mas não quer ouvir o que tenho pra dizer? Eu
não entendo”.
– Eu te disse
algo muito importante e a única coisa que você pode afirmar é que deseja me
comer. Eu acabo de confessar que estou infeliz e você joga isso. O que quer?
Que eu aceite essa frase e foda contigo? Eu disse que estou infeliz, não disse
que seria feliz ao seu lado.
“Você não ama o
seu marido”.
– Pergunte pro
seu orixá, amor só é bom se doer. E eu também não te amo.
Ela desistiu do
resto do milk-shake e as crianças não quiseram outra coisa, logo, levantar da
mesa e dizer até logo foi o que se seguiu e o que fazia sentido naquele
momento. Ele ainda se deixou por mais alguns minutos ali com o filho e com a
sua estranha infelicidade. Ela entrou no carro e soube, finalmente, o porquê de
não ter casado com Pedro ao responder uma pergunta comum do filho mais velho.
“Quem era aquele moço, mamãe”?
– Alguém qu`eu
pensava ter um pinto, mas era só fanfarronice.
E dirigiu até a
sua casa, fez as malas e carregou um pouco de alguma alegria. Mudou de
consultório e de cidade, matriculou os filhos no bairro vizinho, alugou uma
casa e teve doses de infelicidade como todo mundo, mas dessa vez, um
infelicidade independente, passageira, sem angústia ou discriminação. Uns dias
de prazer bobo, outros intensos, com os seus, com os outros e consigo.
E um dia ela
sentiu dor. E outras dores depois. E foi feliz ou infeliz à sua maneira. E
viveu até deixar de viver.