quarta-feira, 30 de abril de 2014

Perspectiva

            Claro que, quando se criou a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), eu continuei achando que não daria certo. Como daria certo se a instituição que a administraria tem o governo do Pedro Álvares aliado à força repressora da classe alta disfarçada de representante da lei e da ordem? Não daria certo.
            E não deu.
            Hoje, sabemos que essa porra é um engodo. Assim como a outra sigla: UPA.
            A UPA tirou os hospitais de circulação e não só é uma merda como não tem internação, não faz comida, não possui exames de alta-complexidade, enfim, engodo. Um esparadrapo para quem está enfartando.
            A polícia age do jeitinho que a “sociedade” quer; ela é um espelho da elite tupiniquim que fala mal do Brasil e vai comprar bugigangas em Miami. Ela tem a concepção e o preconceito dos seus chefes e da sua gente. Ela não enxerga o negro favelado como ladrão por ser polícia. Ela o vê assim porque os brasileiros o veem assim. Para muitos tupiniquins, e maioria da elite hi-tech, bandido bom é bandido morto, mas só se esse bandido for preto e pobre; os desgraçados branquelos da elite, quando fazem merda, merecem uma correção, uns tapinhas na bunda, nunca a pena de morte.
Por que só os pobres merecem morrer?
Porque pimenta no cu dos outros é refresco. Quando o caso é o nosso filho, o buraco é mais embaixo. Aliás, o buraco não existe. Como escreveu Sartre: o inferno são os outros.
Reflexão sobre o porquê das estatísticas apontarem um número assustador de negros mortos na favela é besteira. Ninguém quer fazer. Por que morrem tantos pretos e pobres no Brasil pelas mãos das “autoridades”? Por que tanto ódio?
Aliás, por que ninguém ainda percebeu que o Brasil mata seus filhos desde os tempos mais remotos e isso em nada ou pouco ajudou a solucionar o problema da violência por aqui? Somos um dos países quem mais prendem e mais matam e, no entanto, o efeito disso não diminuiu a estatística.
Investimento e educação: chaves para a diminuição da criminalidade.
Coloque um comprimido e perspectiva na vida de qualquer cidadão e veremos um bandido a menos. Tire a perspectiva da vida de qualquer cidadão e criaremos um monstro odioso.
É um começo simples. Mas o investimento é grande e custa dinheiro. Muito dinheiro.
Não será esse o problema?


terça-feira, 29 de abril de 2014

Os bananas e o coxinha



Foi Luciano Huck, após ser assaltado em outubro de 2007, que escreveu a respeito de seu próprio assassinato essa fantasia bizarra: "Uma jovem viúva. Uma família destroçada. Uma multidão bastante triste. Um governador envergonhado. Um presidente em silêncio. Por quê? Por causa de um relógio".

Como se vê, Huck atribuiu a si mesmo uma importância social extraordinária – provavelmente já contando com o sensacionalismo turbinado da mídia nos casos que envolvem, err, celebridades. Mas também nos obriga a lembrar um detalhe. Não era “um relógio” qualquer, era um rolex. De ouro. E um rolex de ouro pode custar até centenas de milhares de reais. Com sua peculiar sensibilidade social, Huck não entendeu que um maluco com muitos milhares de reais pendurados no pulso pode, sim, ser assaltado, e talvez morto. O rolex de Huck, naquele ano, consta, custava R$ 39 mil. No Brasil mata-se por muito (mas muito) menos.

Entre outras respostas contundentes, vieram a do escritor Ferréz (que imaginou o drama do outro lado, o do ladrão) e a de Zeca Baleiro. É uma ponderação de Zeca que me interessa agora: "Eu também reclamaria caso roubassem algo comprado com o suor do rosto. Reclamaria na mesa de bar, em família, na roda de amigos. Nunca num jornal. Esse argumento, apesar de prosaico, é pra mim o xis da questão. Por que um cidadão vem a público mostrar sua revolta com a situação do país, alardeando senso de justiça social, só quando é roubado? Lançando mão de privilégio dado a personalidades, utiliza um espaço de debates políticos e adultos para reclamações pessoais (sim, não fez mais que isso), escorado em argumentos quase infantis, como 'sou cidadão, pago meus impostos'".

Ontem, Luciano Huck fez pior. A história começou no domingo, num jogo na Espanha. Como todo mundo já deve saber, o jogador brasileiro do Barcelona, Daniel Alves, foi alvo de uma banana arremessada. Antes de cobrar um escanteio, em uma inspiração momentânea (pelo menos aparentemente, como veremos), Alves comeu a banana, como se nada estivesse acontecendo. O vídeo correu mundo – mas a coisa não parou nisso.


Continuou, e aumentou, com uma manifestação um tanto esquisita de Neymar, que postou foto também comendo banana, ao lado de seu filho. Esquisita porque Neymar, seu colega de time, já tinha nos explicado no final de 2013 que “nunca foi vítima de racismo – até porque não é preto, né”, reforçando a declaração em mais de uma entrevista.

Talvez Neymar tenha superado a amnésia traumática e lembrado que já foi sim alvo de agressões racistas. Por exemplo na Bolívia, em 2012, quando, ainda no Santos, foi alvo de bananas. Então a tag que lançou junto com a foto, #somostodosmacacos, seria um pouco menos impessoal. Além dele, ao longo da segunda-feira, gente como Alexandre Pires, Michel Teló, Ivete Sangalo, Claudia Leitte, Fátima Bernardes, Ana Maria Braga, Dinho Ouro Preto e Reinaldo Azevedo (!), além do Inri Cristo, postaram suas respectivas (ops) bananas.

Pareceria um caso, sempre meio bobo, de viral-celebridade, se dois desdobramentos não viessem a público: a) a tag #somostodosmacacos foi criada por uma agência de publicidade, a Loducca. Como no caso da cueca, Neymar gosta de fazer publicidade disfarçada. Questionado, um executivo da agência respondeu que “tentar desmerecer o movimento pelo fato de ter uma agência por trás é tão preoconceituoso quanto o torcedor que joga a banana. Por que não pode haver ajuda profissional? Não é uma campanha para vender nada”; b) a loja de Luciano Huck, o primeiro depois de Neymar a postar foto sua (com a esposa Angélica), já tinha pronta para vender uma camiseta com a tag e banana, a R$ 69 reais. Ou seja, se a Loducca só queria “vender boas intenções”, para Luciano Huck isso não era um impedimento. E nem roubar a banana do Andy Warhol na capa do disco Velvet Underground.

Reprodução/Instagram

A Loducca diz que o próprio Neymar, que não estava nesse jogo, iria comer a fruta em alguma ocasião, e que Daniel o fez por uma incrível coincidência. O que levou Neymar a disparar a campanha. Nem é necessario embarcar na teoria da conspiração de que o próprio arremessador da banana em Villareal já fazia parte da trama – só a mera iniciativa relâmpago de Huck em capitalizar em cima da campanha já gerou um enorme desconforto. Luciano, que não é Hulk e não fica verde, também não fica amarelo em ganhar com a desgraça alheia.

Em 2011, Luciano e a empresa de descontos à qual tinha se associado, a Peixe Urbano, (supostamente) faziam doações paras as vítimas das enchentes naquele ano – mas você tinha que se cadastrar no site, antes de “comprar os cupons de doação”. No mínimo, mesmo que as doações chegassem integralmente (o que é improvável), era um modo de Luciano colocar sua base de fãs e seguidores no cadastro de vendas, usando a tragédia como desculpa.

A casa de Huck na ilha das Palmeiras, em Angra dos Reis, é construída numa área de proteção ambiental. Para se livrar da acusação, Huck contratou o escritório de advocacia da então primeira dama do Rio – e o governador Sérgio Cabral, em 2010, editou um decreto (que logo ficou conhecido como “Lei Luciano Huck”) para resolver o probleminha do apresentador. Não satisfeito, no ano seguinte Huck foi acusado de impedir o acesso à sua “praia particular” com bóias ilegais.

Uma jovem viúva. Uma coxinha destroçada. É difícil imaginar o poderoso “macaco” Huck sendo xingado ou perseguido como um negro, ameaçado de um pipoco grátis (exceto talvez se insistir em andar por aí com seu rolex). Como aconteceu com Oswaldo Zaratini, que na semana passada teve o azar de, sendo negro, ser sequestrado – quando desceu do carro foi morto pela polícia (o sequestrador, branco, sobreviveu).

Alguns comentaristas acharam a tag #somostodosmacacos racista e negativa. Eu tenderia a achá-la boba, além de oportunista – se ficasse no universo dos jogadores e de seus fãs-celebridade. Parece coisa de, err, publicitário. Mas o “roubo” da doença social do racismo no futebol por um playboy amoral e oportunista transforma a coisa toda não só em um escândalo, como em um foco de vergonha alheia lancinante.

Talvez #somostodosbananas fosse mais preciso. Ou #somostodosrecheadosdefrangodesfiado. Eu simpatizo com a idéia de descender do macaco, até porque um homem que cruzasse com uma costela provavelmente geraria um tipo de exoesqueleto, como o Alien.

Talvez descendamos do cruzamento do macaco com o porco, como defendeu há uns meses o geneticista norteamericano Eugene McCarthy. O que daria um bicho menos peludo, inconsequente e agitado, e mais estável e rosado, como um executivo. Ou um apresentador. Faz sentido. #somostodoscinicosoportunistas (não, não somos).


sábado, 26 de abril de 2014

Foi bonita a festa, pá

Por Antonio Luiz M. C. Costa

www.brasilescola.com
Faz quarenta anos, os militares portugueses fartos da guerra colonial saíram às ruas e puseram fim a 48 anos de salazarismo, o fascismo à portuguesa. Na minha família de imigrantes portugueses, o impacto foi espetacular. Apesar da recente substituição do general de turno, a ditadura brasileira ainda não dava sinais de abrandar e foi a primeira oportunidade, em minha vida de adolescente, de ouvir e participar de discussões políticas a sério.

Meu pai tinha perfil mais conservador do que gostava de admitir, mas era antissalazarista e se entusiasmara com a publicação, dois meses antes, do livro Portugal e o Futuro. Com prefácio de Carlos Lacerda, o general António de Spínola, vice-chefe do Estado-Maior português e ex-governador militar da Guiné Portuguesa (atual Guiné-Bissau), admitia ser impossível vencer a guerra colonial e propunha transformar o império colonial em uma federação na qual Portugal seria um dos estados e a capital seria no interior de Angola.

A proposta soava então tão bizarra quanto hoje, mas era um salto inesperado em relação ao discurso oficial de dois anos antes, quando o ditador Emílio Garrastazu Médici foi a Portugal buscar os ossos de dom Pedro I em Portugal e do ano anterior, quando voltou para visitar o colega português Marcello Caetano. Lisboa propunha um “Mercado Comum Luso-Brasileiro” e garantia que os rebeldes estavam sendo derrotados e as colônias portuguesas seriam “províncias ultramarinas” para sempre. Uns contraparentes de Angola haviam nos visitado nessa época (acharam São Paulo muito parecida com Johanesburgo) e se queixaram da ignorância dos “gentios” e dos “bandidos” que não os deixavam explorar a colônia em paz.

Como mais tarde o acompanhamento da política e da história me ensinou, sempre que alguém que participa do poder propõe uma concessão tão súbita e drástica é certo que ela tarda demais, mesmo que seus parceiros não compreendam. Caetano recusou a proposta de “autonomia desagregadora” para as colônias e Spínola e seu chefe foram demitidos. Semanas depois, na madrugada de 25 de abril, uma rádio de Lisboa transmitiu a senha do levante, a (então proibida) canção “Grândola, Vila Morena”. Às oito da manhã, a praça central de Lisboa estava tomada por tanques e à tarde o general Spínola, de monóculo e capa bordada, recebia a rendição de Marcello Caetano, despachado para o exílio na ilha da Madeira e depois no Brasil junto a grande parte da elite salazarista. No dia seguinte, o editorial desesperado de um jornal salazarista apelava aos rebeldes para se renderem e dissolverem seu governo “ilegal”.

O anacrônico general, que estivera no cerco de Leningrado ao lado dos voluntários portugueses por Hitler, iniciara um processo que não podia controlar. Pensava ser o arauto do futuro quando era apenas a última voz do passado. Os jovens oficiais, os sindicatos livres, os partidos de esquerda que retornaram ou surgiram com o colapso do salazarismo não estavam dispostos a dançar a sua música. Muito menos os “bandidos” africanos e timorenses, que a essa altura controlavam a maior parte dos territórios que Spínola sonhava manter unidos a Portugal e não tinham nenhuma intenção de aceitar menos que a independência total.

Vendo o poder escapar das mãos, Spínola tentou um golpe. Convocou para 28 de setembro uma manifestação da “maioria silenciosa” em nome da qual pretendia afastar as esquerdas do governo e pôr os comunistas novamente fora da lei. Na véspera, com apoio da polícia militar, fez prender os líderes da esquerda militar, Vasco Gonçalves (primeiro-ministro), Otelo Saraiva de Carvalho e Francisco da Costa Gomes, mas os fuzileiros navais e paraquedistas rejeitaram suas ordens, bloquearam sua manifestação e o obrigaram a libertar os generais presos. Renunciou, mas em 11 de março de 1975 tentou um golpe de Estado. Fracassou em três horas e fugiu de helicóptero para a Espanha e sob a proteção da agonizante ditadura franquista, organizou uma rede terrorista que por anos executou atentados contra partidos de esquerda.

Foi nessa primavera, quando os militares de esquerda ditavam as cartas em Portugal e o fervor revolucionário da Revolução dos Cravos estava no auge, que minha família voltou a visitar o país. Manifestações tomavam as ruas praticamente todos os dias. Nossos parentes em Portugal, como todo o país, estavam divididos. Um tio de segundo grau, pequeno empresário em Amarante, era o mais apavorado, certo de que o comunismo estava para ser implantado. Queixava-se de que a nova geração os queriam todos mortos e fantasiava uma invasão espanhola para pôr ordem na bagunça, mesmo que fosse para anexar Portugal. Já os jovens minimizavam suas aflições e viam o movimento com simpatia e o futuro com otimismo.

Fábricas e latifúndios eram ocupados e “universidades proletárias” criadas. As colônias, uma a uma, eram entregues aos movimentos revolucionários locais. Os panfletos que coalhavam as ruas impressionavam pelo senso de utopia. Naquele momento, parecia que tudo era possível. Portugal parecia prestes a inventar alguma nova forma de socialismo, impulsionada pelas forças agrupadas em torno do brigadeiro Saraiva de Carvalho, bem à esquerda do stalinismo de Vasco Gonçalves e do Partido Comunista Português. Muito mais que o maio de 1968, aquela foi a primeira e única revolução europeia autêntica da segunda metade do século XX. As transições democráticas domesticadas e cuidadosamente orquestradas da Espanha e da Grécia nem de longe se pareceram com isso.

O refluxo começou no fim daquele mesmo ano, ao que tudo indica como parte de um discreto acordo entre os EUA de Gerald Ford e a União Soviética de Leonid Brezhnev: as ex-colônias africanas se aliariam aos soviéticos, mas Portugal ficaria no campo da OTAN. O Partido Comunista, sem o qual uma revolução seria impossível, tirou o time de campo. Saraiva de Carvalho, isolado, foi afastado e depois preso e militares moderados encaminharam o país para um governo de caráter socialdemocrático e a integração ao Mercado Comum Europeu.

Impressiona ver como Portugal foi tão solidamente enquadrado na ordem europeia nas décadas seguintes. Quarenta anos depois, o país está preso na camisa de força da Troika e sacrifica possibilidades e liberdades à salvação do euro. O debate político não vai além de discutir o depois da vírgula no déficit público e o “Não há alternativa” de Margaret Thatcher se tornou um mantra do país, como de todo o continente. Será preciso esperar outros quarenta anos para que novos horizontes voltem a se abrir? Ou quarenta e oito?


sábado, 12 de abril de 2014

Homem de Verdade


O que é o homem? Um ser divino ou diabólico?

Sem querer me intrometer demais na seriedade do assunto, até porque eu mesmo sou um belíssimo exemplar erectus pançudus etilicus, acredito ser o homem untado em azeite de dendê e bolinhos de chuva. Somos anjos diabólicos, difíceis e pragmáticos, carentes e infantis – complexos.

Mas tem coisas que só a raça-macho sabe fazer (bem)! Exemplo? Somente a raça-macho consegue se achar bonito quando toda as leis da gravidade e da estética nos provam o contrário. O homem é o único animal que, de sunga de praia, barrigudo, careca e míope, acha, de fato, que a mulher escultural na cadeira ao lado está sorrindo para ele.

Aliás, tem uma coisa que nós fazemos com sucesso nestes milênios que passamos ao largo: a incrível mitologia do Homem Durão. Misto de Clint com Rambo. Somos peritos na arte de esconder os sentimentos e liberar os instintos primitivos. Mascando tabaco ou palito entre os dentes, o homem é mesmo um típico exemplar. Mas isto tudo termina quando:

Nasce o filho da gente!

E aquela criatura, com uns pontinhos que chamamos de dedos, segura a sua mão. Aí não tem armadura que dê jeito, você vira um escravo do choro e da baba aguda. Devo admitir que chega a ser quase assustador e, talvez, seja a primeira vez em que percebemos estar sem controle do que está por vir. Não há planejamento que tire o gosto do vácuo. Uma onda de calor começa a percorrer os pulmões, passa pelos braços, que tremem, e termina como uma imensa pressão na nuca. A palavra “nasceu” deveria ser mais extensa, mais bem preparada. Ela é muito rápida. E esse “s” mudo e sem vida, sem pronúncia, não faz muito sentido ali, encaixado entre a primeira vogal humana e o intenso céu. Esse “s” é quase o apêndice da palavra. Não, “nascer” deveria ser mais divino, mais impronunciável, uma senha: 5xdf1458rju.

Há algo de assustador em ser pai, em ser homem de verdade. Certos compromissos possuem peso e grandeza que poucos conseguem digerir. Como vivemos em um mundo patriarcal, cujas religiões, política e sociedade, com raríssimas exceções, pregam o machismo, acostumamo-nos a enxergar o lado deturpado do espelho, dificilmente nos encontramos “nus” diante do próximo, carregamos uma espécie de armadura conveniente e preguiçosa, daquelas que, costurada pelas mãos da própria mãe, escondem nossos medos.

Talvez o homem seja produto de uma grande revolução. Uma revolução que busca a palavra certa, o “s” escondido, metamorfoseado, exilado nos seios de uma mulher.
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Texto publicado, originalmente, no blog Palimpnóia, dia 06 de maio de 2009.


quarta-feira, 9 de abril de 2014

A ‘tempestade perfeita’ da imprensa



O jornal Valor Econômico publicou em manchete, na segunda-feira (7/4), reportagem relatando como especuladores perderam dinheiro ao apostar em um desastre na economia brasileira. “Os ventos do mercado mudaram de direção, a tempestade perfeita não veio, e isso reduziu bastante os ganhos de quem apostou na alta do dólar e na queda das ações”, dizem os autores do texto. Na manhã de terça-feira (8/4), analistas já registram que a frustração provocou um desvio da manada de investidores, das carteiras de maior risco para opções mais conservadoras.

O episódio revela como uma parte do movimento financeiro se processa no campo da irracionalidade, onde o chamado wishful thinking, expressão que pode ser traduzida por “autoengano” ou “autossugestão”, substitui frequentemente os indicadores formais da economia.

Mas o mais grave é constatar que esse autoengano é frequentemente provocado pela imprensa hegemônica, com a publicação seguida de manchetes negativas que induzem um grande número de pessoas a um clima de pessimismo. Alguns entendem que podem ganhar dinheiro com uma crise, mas a realidade acaba desmentindo os profetas do apocalipse, e está pronta a receita para o prejuízo.

No caso presente, a expressão “tempestade perfeita” vem sendo repetida por jornais e revistas desde o final do ano passado. Ela apareceu pela primeira vez, associada a críticas à política econômica do governo, numa análise do economista e ex-ministro Delfim Netto, publicada no Estado de S. Paulo no dia 13 de novembro de 2013.

Seu alerta era condicionado a medidas que, segundo ele, deveriam ser tomadas pelo governo para controlar as contas externas, o câmbio e os gastos públicos. No entanto, a previsão foi tomada pela imprensa como muito provável e, curiosamente, um dos primeiros veículos a enxergar a tormenta que não havia foi o Valor, em artigo de um de seus editores executivos, publicado no mesmo dia (ver aqui). Em seguida, a revista Exame, da Editora Abril (ver aqui), elevou a profecia ao grau de catástrofe inevitável.

Muitos investidores passaram, então, a valorizar as nuvens escuras.

Mudança dos ventos

O Valor Econômico voltou atrás ao produzir o caderno especial “Cenários 2014”, no mês seguinte, desmentindo seu editor executivo (ver síntese aqui). No entanto, os três jornais genéricos de circulação nacional – Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo – seguiram anunciando o apocalipse.

Até que se produziu a conjunção sonhada pelos especuladores: o anúncio do rebaixamento do Brasil por parte da agência de avaliação de risco Standard & Poor’s, o escândalo da Petrobras e, finalmente, a pesquisa Datafolha sobre intenção de voto, que supostamente iria marcar a queda das chances de reeleição da presidente Dilma Rousseff. Mas aconteceu que os ventos econômicos mudaram de direção, afastando as nuvens negras e o cenário eleitoral na verdade mostra que a atual presidente pode ser reeleita no primeiro turno.

A situação econômica ainda é de instabilidade, contexto que deve perdurar ao longo do ano, em parte sob influência da disputa eleitoral. O que a imprensa não diz é que uma parcela significativa dessa instabilidade é provocada pela própria imprensa.

Façamos, por exemplo, uma varredura no noticiário de terça-feira (8/4): pelos mesmos jornais que seguem apostando em manchetes negativas, o leitor fica sabendo, em reportagens com menor destaque, que houve uma “enxurrada” de capital estrangeiro no Brasil no mês de março. O BNDES já captou no primeiro trimestre um total de recursos superior ao previsto para todo o ano de 2014, em condições consideradas excelentes, o que demonstra a credibilidade dos títulos brasileiros. Nas notas curtas, pode-se ler uma lista de investimentos de empresas multinacionais, entre eles a criação de uma fábrica de grandes motores da Rolls-Royce no Rio de Janeiro.

Agora, vejamos como a imprensa produz no público opiniões equivocadas. Meio escondida nas edições digitais dos jornais, pode-se garimpar um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( IPEA) anunciando que a Copa do Mundo pode render R$ 30 bilhões ao Produto Interno Bruto em 2014, criando 48 mil empregos só no setor de turismo.

E qual é a percepção que o noticiário sobre o mesmo assunto induz no público? Pesquisa Datafolha publicada com destaque na terça-feira afirma que 55% dos brasileiros acreditam que a Copa vai trazer prejuízos.

É assim que funciona.


terça-feira, 8 de abril de 2014

A corrupção é um sistema



O caso do deputado André Vargas (PT-PR), ex-vice-presidente da Câmara (ele pediu afastamento do cargo e licença do mandato em função das denúncias que pesam sobre si), como outros escândalos de corrupção que lhe precederam, provavelmente leve mais uma vez à reprodução da mesma sucessão de discursos hipócritas e superficiais que evitam o problema de fundo. Muitos petistas dirão que é um "ataque do PIG" contra o partido e o governo, indiferentes às provas do envolvimento do deputado em tráfico de influência e na negociação de contratos no mínimo suspeitos com um empresário amigo.

A oposição de direita, por sua vez e com a ajuda de parte da mídia, tentará mostrar que a corrupção é patrimônio exclusivo de petistas (ou, como os mais reacionários dizem, de "petralhas"), escondendo os inúmeros casos envolvendo tucanos, democratas et caterva. E é até provável que a bancada de fundamentalistas religiosos e o velho partido da "governabilidade" que preside ambas as casas do Congresso aproveitem a crise para obter mais concessões, como quando as denúncias contra o ex-ministro Palocci serviram para enterrar o programa Escola sem Homofobia (condição dos deputados fundamentalistas para não apoiar a formação de uma CPI para investigá-Io). Os jornais tratarão do caso como apenas isso: mais um caso. Ouviremos por semanas o nome do deputado, que será o "inimigo público" do mês, numa personalização de um problema que é, na verdade, sistêmico. E depois, outra notícia impactante se imporá — talvez outro escândalo de corrupção - e não falaremos mais sobre Vargas.

Longe de querer defender o deputado André Vargas (muito pelo contrário: defendo que as denúncias sejam rigorosamente investigadas e que, provada a culpa do deputado, este pague por ela), eu, entretanto, penso que a corrupção mereça uma abordagem que vá além do biográfico. Existem, na minha opinião, quatro erros comuns que se repetem cada vez que um caso de corrupção vem à tona e se transforma no "escândalo", sobre os quais precisamos refletir:

1) O problema da corrupção não são os casos individuais, porém, cada vez que um caso de corrupção estoura na mídia, é tratado como se fosse um caso isolado. Assistimos, então, à construção de um "vilão", sobre o qual recai a culpa por algo que não é mais do que um sintoma de um problema sistêmico. Nenhum partido (nem o meu) está isento de ter, em suas fileiras, um corrupto. Se o problema fosse apenas existirem pessoas corruptas, não seria tão grave: a solução seria apenas identificar e expulsá-las. Mas sabemos que o problema não é esse.

A corrupção é um componente inevitável de um sistema de governo em que as campanhas são financiadas por bancos, empreiteiras, empresários do agronegócio, igrejas fundamentalistas milionárias e todo tipo de lobistas; a governabilidade se garante comprando votos no Congresso (e o "mensalão", seja petista ou tucano, não é a única maneira de se fazer isso; existem formas indiretas, como a distribuição, entre partidos aliados, de ministérios e órgãos públicos em função não do mérito, mas do orçamento) e governantes e parlamentares se preocupam mais em agradar empresários e corporações do que em manter o espírito republicano. Casos como o de André Vargas, nesse contexto, não são um desvio, mas um sintoma.

2) O problema da corrupção não é só moral. O "udenismo" costuma dominar o debate sobre a corrupção, e tudo é reduzido a desvios éticos individuais. A corrupção é também um problema econômico (porque são bilhões de reais que "somem" do orçamento da União, dos estados e dos municípios) e, sobretudo, um problema POLÍTICO. Não é por acaso que o PT, que antigamente era visto como o partido da ética, passou a se envolver cada vez mais casos de corrupção desde que chegou aos governos.

A corrupção acompanhou a aliança com o poder financeiro e o agronegócio; veio junto com submissão ao fundamentalismo religioso e com os acordos cada vez mais escandalosos com pilantras disfarçados de pastores que dominam o Congresso; acompanhou o uso da repressão contra o povo nas ruas e a adoção do discurso da "segurança nacional" que, no passado, foi usado para reprimir aqueles que hoje estão no governo. Ou seja, o que houve não foi uma degradação moral, mas uma renúncia ideológica e programática.

E, por isso, a grana e os privilégios do poder substituíram, em muitos petistas (não em todos nem mesmo na maioria militante!), as convicções e a vontade de mudar o mundo como razão para se engajar na política. Então, se realmente quisermos acabar com a corrupção, o primeiro passo é voltar a dotar a política de sentido e conteúdo, para que mais gente entre nela desejando mudar o mundo e não ficar rico.

3) O problema da corrupção não é apenas a violação das normas, mas o fato de ela muitas vezes ser as próprias normas. Um bom exemplo disso é o financiamento de campanhas, que está sendo julgado pelo STF: se um candidato faz uma campanha milionária financiada por empreiteiras e empresários do transporte e, já eleito, tem que decidir entre aumentar ou não a passagem de ônibus ou tem de escolher entre os direitos dos moradores e os interesses de uma empresa cujo projeto imobiliário implica em removê-los, qual será mesmo a escolha dele? Se um senador teve sua campanha financiada pelo agronegócio, vai votar a favor de que tipo de Código Florestal?

Sendo assim, esse sistema eleitoral, que leva à formação de mega-coligações para garantir a governabilidade, não pode prescindir da corrupção. Ou vocês acham que o partido do sistema, que já foi aliado de petistas e tucanos, vai votar as leis porque lhe parecem boas se não tiver mais dois ministérios em troca? Tem inúmeras condições estruturais que favorecem ou até impõem a corrupção como combustível necessário para o funcionamento do sistema. Por isso, de nada adianta fazer, da corrupção, um problema apenas moral se não fizermos mudanças estruturais; se não mudarmos as regras do jogo.

4) A corrupção não é o único nem o mais importante problema da política. Vamos supor, por um instante, que fulano, candidato a presidente, governador o prefeito, é uma pessoa comprovadamente honesta, no sentido mais restrito do termo: jamais usaria do cargo para se beneficiar ou beneficiar amigos e familiares; jamais enriqueceria com dinheiro público; jamais roubaria ou seria cúmplice ou partícipe de um roubo. Contudo, esse mesmo fulano defende uma política econômica que prejudica os trabalhadores; é fundamentalista, racista, homofóbico, tem ideias ultrapassadas sobre as relações humanas; é autoritário, personalista e etc. logo, a honestidade dever ser um dos requisitos para se escolher um político, mas não podemos nos esquecer de que o mais importante é a política que ele faz ou propõe: as ideias, o programa, a visão de mundo, os interesses em jogo.

Colocar a corrupção (vista, como já dissemos, como um problema moral, exclusivamente individual, identificado apenas com um determinado setor político e, ao mesmo tempo, despolitizado no sentido mais amplo) é também uma forma de esconder os verdadeiros debates de que o país precisa, como se todos os nossos problemas se reduzissem a três ou quatro escândalos convenientemente destacados nas manchetes.


sábado, 5 de abril de 2014

O desordeiro


Muitos apontam o Golpe de 64 como resultado da instabilidade institucional e desordem provocadas pelo próprio governo João Goulart.

O Brasil vivia um conflito ideologicamente polarizado. Greves em diversos setores, como a de marinheiros, sublevação de tropas, comícios com bandeiras de partidos então ilegais (PCB) e palavras de ordem radicais assustaram parte da sociedade. A conspiração se generalizou e atravessou fronteiras. Mas o único que respeitou as regras estabelecidas foi justamente ele, o desordeiro Jango - latifundiário acusado de ligações com comunistas, que empregou o diplomata Tiago Dantas, o banqueiro Walter Salles (ministro da Fazenda), e o empresário José Ermírio de Moraes (ministro da Agricultura).

Para uma democracia que não tinha completado a maioridade, depois de séculos de poder colonial, monárquico, regimes turbulentos, República Velha e Nova, outra ditadura, que vivia sob regras da Constituição de 1946, a rebelião de sargentos da Marinha e Aeronáutica, inconformados com a decisão do STF de não reconhecer a elegibilidade de sargentos para o Legislativo, e conflitos agrários levantaram o clamor pela intervenção armada.

Como se hoje o estado democrático não sobrevivesse à ocupação de um terreno na M'Boi Mirim, de uma fazenda improdutiva, queima de pneus em estradas, bloqueios de caminhoneiros e índios, greves de professores, taxistas, agentes penitenciários, e a uma manifestação de PMs, com trocas de tiros com seus colegas da Polícia Civil, cercados por bandeiras vermelhas de partidos de esquerda e centrais sindicais, a quadras do palácio do governo. Conflitos que aprendemos não temer e negociar democraticamente.

Os EUA encararam o assassinato de um presidente, de líderes de direitos civis e a renúncia de outro, a França ficou em chamas em Maio de 68, a Alemanha confrontou o Baader Meinhof, o Reino Unido, o IRA, a Itália, as Brigadas Vermelhas, a Espanha, o ETA, mas não penhoraram sua joia mais valiosa, a democracia.

Por aqui, ela não resistiu ao Comício da Central do Brasil. Jango pode ser acusado de frouxo por uns, inábil por outros. Não resistir e fugir do Brasil no dia 2 de abril decepcionou aliados. Incendiar com palavras e gestos um ambiente já volátil atiçou a conspiração. Mas, do começo ao fim, ele cumpriu a lei.

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Numa época em que se votava separadamente para presidente e vice, Jango foi eleito vice-presidente em 1955 com mais votos do que o presidente eleito, Juscelino Kubitschek. Na eleição de 1960, foi reeleito vice-presidente de Jânio Quadros.

Em 25 de agosto de 1961, Jânio renunciou de surpresa. Jango estava na China. Os ministros militares Sílvio Heck (Marinha), Odílio Denys (Exército) e Gabriel Grün Moss (Aeronáutica) ameaçaram derrubar o avião do novo presidente por direito, caso voltasse. O líder da Câmara, Ranieri Mazzilli, foi empossado presidente.

Começou a "campanha da legalidade", para fazer cumprir o que a Constituição mandava. Parte do Congresso queria Jango, que esperou em Montevidéu a solução da crise. Militares não cederam. Tentou-se a conciliação: mudar o regime político brasileiro. Em 2 de setembro de 1961, o parlamentarismo foi aprovado. Tancredo Neves se tornou primeiro-ministro.

Em 1962, eleições renovaram o Congresso. Foi convocado um plebiscito em janeiro de 1963, para definir se o País voltaria ao regime anterior. O presidencialismo ganhou de lavada, e Jânio tomou o poder de fato e direito. Tinha dois anos para governar. A eleição de 1965 estava garantida e seria uma barbada: Juscelino ganharia com folga, voltaria à Presidência.

Jango lançou o Plano Trienal: reformas institucionais para controlar o déficit público, manter a política desenvolvimentista, instaurar a reforma fiscal para aumentar a arrecadação do Estado e limitar a remessa de lucros para o exterior, reforma bancária para ampliar acesso ao crédito de produtores, nacionalização de setores de energia elétrica, refino de petróleo e químico-farmacêutico, direito de voto para analfabetos e militares de patentes subalternas, desapropriação das áreas rurais inexploradas nas margens das rodovias e ferrovias federais, reforma educacional para combater o analfabetismo com Método Paulo Freire, abolição da cátedra vitalícia.

Uma pesquisa feita no período, encontrada recentemente nos arquivos do Ibope, mostra que 59% dos entrevistados eram a favor das medidas anunciadas no Comício da Central do Brasil. Outra mostra que 49,8% admitiam votar em Jango, se ele pudesse se candidatar à reeleição, contra 41,8%.

Em 20 de março de 1964, o general Castelo Branco informou a oficiais do Exército que aderia ao golpe eminente. Foi a senha de que os conspiradores precisavam. O embaixador americano Lincoln Gordon recomendou remessa clandestina de armas e petróleo, e sugeriu que o governo americano preparasse uma intervenção. O presidente Lyndon Johnson autorizou o envio de uma frota ao Brasil. A missão: invadir Pernambuco, para ajudar o golpe, se houvesse resistência. Seria a primeira vez na História que uma potência estrangeira nos invadiria.

Na madrugada de 31 de março, o general Olímpio Mourão Filho iniciou a movimentação de tropas em MG, incentivado pelo governador Magalhães Pinto. Em 1.º de abril de 1964, Jango foi a Brasília e, depois, para o Rio Grande do Sul. No dia 2 de abril, numa manobra da mesa do Congresso, declarou-se a vacância do cargo, já que o presidente, em Porto Alegre, não estaria em território nacional. Mais uma vez, o presidente da Câmara, Mazzilli, assumiu a Presidência.

Brasília foi cercada pelo Exército. A junta que tomou o poder, general Costa e Silva, tenente-brigadeiro Correia de Melo e vice-almirante Rademaker Grünewald, instaurou o Ato Institucional, cassando o gabinete e políticos aliados do governo Jango. O resto você já sabe.

Pergunta: Quem realmente feriu a ordem institucional?

terça-feira, 1 de abril de 2014

A Foto


A imagem é emblemática e diz muito sobre o país que queremos.
O país que eu quero.
Quero entregá-lo, à minha filha, desse jeito.
Assim, mesmo.

O Dep. Jean relatou o fato através do seu Facebook (reproduzo abaixo), mas a foto fala por si.
Ela é histórica.
E que possamos gritar "presente" em nome dos mortos, desaparecidos.
Eles estão presentes através de nós.
Nós também somos eles.

Presente!


"O deputado fascista e sua gente conseguiu, por fim, encerrar a sessão pelo aniversário de 50 anos do Golpe Militar.

Explico como: quando o presidente da sessão concedeu a palavra ao fascista, o plenário lhe deu as costas em silêncio e exibiu fotos dos mortos; o presidente da sessão quis obrigar o plenário a ficar de frente para ouvir o fascista, recorrendo ao regimento interno que não dá amparo a nenhum presidente de sessão para obrigar o plenário a adotar a posição que ele deseja.

O plenário resistiu, permanecendo de costas e com as fotos dos mortos pela Ditadura levantadas, apesar da ameaça do presidente da sessão, e não tirou o direito do fascista falar. Ele podia falar e não falou porque não quis. O plenário apenas lhe deu as costas.

O fascista tem o direito de discursar. Mas é um direito do plenário ouvir qualquer discurso de deputado na posição que quiser.

Ante o impasse e numa interpretação esdrúxula do regimento interno, o presidente encerrou a sessão. E nós demos prosseguimento a ela do lado de fora do plenário."

Jean Wyllys
https://www.facebook.com/jean.wyllys?fref=ts