sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Um "algo melhor" a todos


Pensávamos ser só uma daquelas trovoadas que nos amedronta, que nos lembra um deus terrível e irado a nos alertar, mas que depois dilui-se em chuva purificadora e refrescante.
            Pensávamos que tínhamos o controle harmônico do sol.
            Foi aí que nos debruçamos sobre a fragilidade das nossas certezas e a desventura do nosso horizonte: a democracia, tal qual a idealizamos, não só é uma abstração como sua profundidade é extremamente aquosa. Um vento mais forte e a tempestade brota.
            E foi assim que protestos lindamente válidos viraram reuniões insanas e deprimentes daqueles vultos que antes viviam pelos lodos do obscurantismo com suas ideias de país troglodita e disforme, onde apenas os homens brancos heterossexuais possuem direitos. Vultos que tinham medo de vomitar seus preconceitos na multidão e, hoje, saem como que canonizados pelo apoio de outros que só enxergam a realidade no espelho quebrado de suas mentes. E dá-lhe apoio à intervenção militar, gritos de ódio a um governo (triste, ruim e confuso) eleito democraticamente e dentro da lei; dá-lhe xingamentos, palavras desconexas e brados por justiça. Tudo muito lindo não fossem os representantes (deles e nossos) legislativos investigados por “n” desvios, subornos, mesadas, safadezas. Tramoias! E a mídia sedenta vomitando textos cínicos e tendenciosos.
            E foi assim que irresponsáveis, pensando no umbigo e na barganha, colocaram um inconsequente na presidência da Câmara e anos de luta e negociações quase foram para o ralo.
            Eu já ajudei a misturar cimento para a feitura de uma laje e sei de uma coisa: consertar a besteira dos outros é pior do que construir tudo.
            Portanto, o que desejo para este final de ano é isso: que a tosca e golpista oposição, junto com este governo, perdido entre o agradar para cicatrizar e o romper para renovar, não foda ainda mais com o país.

            Um melhor 2016 a todos.


sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

"Temer decide como pretende entrar para a história"



Imagine um casal numa relação de 5 anos.
tempo suficiente para que se conheçam bem.
bons momentos divididos e celebrados.
maus momentos superados.

trabalham juntos.
de repente, na firma, acusam a mulher de roubo.
não dizem "houve roubo".
vão baixo, chamando-a de "ladra!".
aqui e ali, vão além: "corrupta!".
ela resiste.
sozinha.

e a coisa piora: querem sua demissão.
ela resiste.
sozinha.

a fofoca se espalha.
nas ruas, é chamada de "puta!","vagabunda!", "vaca!", "desgraçada!".
ela resiste.
sozinha.

e também a manada passa a exigir que saia da firma.
ela, enfim, reage.
sozinha.

interesses e grosserias fora, o normal em disputas.
anormal - mais: absurdo - é o silêncio do companheiro.

numa situação assim, não é nada difícil decidir que atitude tomar: ou luta com sua companheira, enfrentando o que e quem for para defender a honra dela - e também a sua, ainda que na condição de cúmplice -, ou, acreditando nas acusações, surpreso e indignado, se separa dela.

silêncio, numa situação assim, não e nunca.
porque, das duas, uma: ou é um covarde, ou está traindo.
abjetamente inaceitável, seja o que for.

esse casal atende por Dilma e temer.

dá o papo, temer.
ou fala ou rala.

bom dia, pé na Rua, fé na Rua e à luta.


sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

O que nos leva a escolher fazer coisas certas e não erradas? (Ética para infantes)


Platão, quase quatrocentos anos antes de Cristo, já nos contava (na verdade contava aos seus contemporâneos) a história de um pastor que encontrou um anel mágico e quando usava o anel, ficava invisível. O pastor era bom e honesto, mas será que o pastor “de Platão” resistiu à tentação de fazer tudo o que quisesse, mesmo que algo fosse errado, já que ninguém poderia descobrir? 

A história de Platão chama-se: O anel de Giges, onde um determinado anel tornaria que o usasse invisível sempre que desejasse… É um anel mágico, que um pastor encontra por acaso. Basta virar a pedra do anel para dentro da palma para se tornar totalmente invisível, e virá-la para fora para ficar novamente visível… Giges, que antes era tido como um homem honesto, não foi capaz de resistir às tentações a que esse anel o submetia:aproveitou seus poderes mágicos para entrar no palácio, seduzir a rainha, assassinar o rei, tomar o poder, exercê-lo em seu único e exclusivo benefício. Platão – o filósofo - conclui que o bom e o mau, ou os assim considerados, só se distinguem pela prudência ou pela hipocrisia, em outras palavras, por e pelo quanto o ser humano consegue esconder e dissimular suas atitudes erradas...

Isso equivale a sugerir que a moral não passa de uma ilusão, de uma mentira, de um medo maquiado de virtude. Bastaria poder ficar invisível para que toda proibição sumisse e que, para cada um, não houvesse mais que a busca do seu prazer ou do seu interesse egoístas.

Imagine aquele motorista que só para no sinal vermelho quando há um guarda controlando, o outro que não excede o limite de velocidade só no trecho que tem radar, ou aquele que consome bebida alcoolica e mesmo assim dirige, só porque não há blitz nesse dia. Será que essas pessoas só se preocupam com a vida quando há alguém vigiando? Se não tivesse lei, nem guarda, nem câmeras: você sempre faria o que é certo?

Entretanto existem coisas “só um pouquinho erradas”? 

É certo fazer essas coisas um pouco erradas se você também não puder ser pego?

Você faz as coisas certas porque gosta, ou por causa da opinião dos outros?

Fazer coisas boas e corretas deixa você mais feliz? Por quê?

Se achasse uma carteira com dinheiro, ou se fosse comprar seu biscoito favorito e recebesse um pacote a mais. Mesmo sem ninguém vendo, você se sentiria melhor devolvendo ou ficando com essas coisas? Por quê?

Se num dia de prova, o professor tivesse que sair da sala por alguns minutos, o que você faria? Praticaria uma transgressão, abrindo o caderno para olhar a matéria? Será que você somente faz as coisas certas na escola, quando o professor está tomando conta?

Pense sobre as escolhas que temos que fazer a toda hora, a cada instante de nossas vidas.

Não se trata de dirigir o tema para lições moralistas sobre o que é certo ou errado. Explicar o porquê de seus atos e suas escolhas, refletir sobre os valores, de que não há respostas certas ou erradas. O mais importante são as perguntas que fazemos para nós mesmos e as atitudes que tomamos com essas “perguntas”.

Quem diz o que é bom ou mau, certo ou errado? Se somos livres, o que nos leva a escolher entre o bem e o mal? A lei, ou a nossa consciência? Quem é o juiz da sua vida: Deus? Sua família? Você mesmo?

Muitas vezes as crianças dizem “Eu faço isso, porque afinal todo mundo faz”. Ora, porque todo mundo faz, algo passa a ser correto?

Se “ser ético” é um aprendizado de toda uma vida, então como se ensinar ética?

Ensina-se aquilo que se é. Ética se transmite. O que será apreendido e processado pelos filhos não é o que advém de um discurso verbal, de uma pregação ou de um sermão, mas sim o que eles captam no pensamento e na ação de seus pais. 

Não se trata de ensinar o filho a ser “bonzinho”, pois ele corre o risco de ser bobo, mas sim de torná-lo um ser responsável por suas ações, desde os primeiros tempos de vida. Como pais, cumpre dar exemplo de autonomia e liberdade interna para fazer escolhas e assumir posições e se responsabilizar por elas. Uma pessoa só é ética quando se orienta por princípios e convicções.

As crianças precisam ser ensinadas a “ver a verdade” e sobretudo respeitar “a verdade”.

“Eu não quero que meu filho minta” — essa é a expressão do desejo de todos os pais.
Mas quando um filho percebe que os pais estão mentindo...por exemplo: Quantas pessoas, quando toca o telefone, dizem para o filho: “Fala que eu não estou”? Quantas vezes as pessoas ensinam uma coisa e praticam outra? Quantas vezes se lida com a ética como se ela fosse algo maleável, adaptável a cada contexto?

Mentindo, os adultos ensinam seus filhos a mentir, pois eles perdem a referência do que é certo ou errado. Nada justifica uma mentira, não existem “mentirinhas”, mentiras “piedosas” nem mentiras “politicamente corretas” — todas fazem mal. É falso tentar fazer separações entre mentira boa e mentira ruim. Toda mentira já por si só é ruim. E isso precisa ser transmitido às crianças. Falar a verdade implica ser honesto consigo mesmo e com os outros e assumir as consequências de seus atos. Essa é a base da ética o que é certo e o que é errado, o que faz bem e o que faz mal. Ser ético é ser responsável.

Outro ponto importante é “saber” que diferente não é sinônimo de errado. Diferente é apenas diferente. Isso nos ajuda a perceber que você pode ter amigos respeitandoeticamente as diversidades de raça, crença, sexo, nacionalidade. Fica difícil para uma criança ter o aprendizado da ética quando os pais, em casa, zombam de uma pessoa por ser de raça ou nacionalidade diferente.

No esporte também se forma a ética da criança (lembre-se sempre: a criança é o futuro adulto). Vencer sempre será nosso objetivo. Para isso se faz a contenda, entretanto jamais se deve admitir ganhar mediante fraude ou algum tipo de trapaça. “Jogo é jogo” é um dito popular, que reafirma que deve ganhar o melhor ou quem teve mais sorte. 

E não existe melhor vitória, do que a conquistada graças as nossas virtudes! Essa é única vitória que vale!

Infelizmente nossa época é pobre em ética. Modelos de corrupção, de indignidade, de desonestidade, de sonegação são numerosos em nossa sociedade. Porém, a ética é essencial, ao que princípios e valores sempre foram e continuarão a ser o que caracteriza a humanidade no homem e continuarão imprescindíveis para nos manter o minimamente civilizado.

Não nascemos com moral e ética. Tornamo-nos éticos e com moral ao longo de nossas vidas...E quanto antes começamos: melhor!


terça-feira, 22 de setembro de 2015

Faltava apenas uma faísca

Leonardo Sakamoto
Blog do Sakamoto


Faltava apenas uma faísca.

Por certo, os moradores mais ricos da cidade tinham motivo para reclamar. Ninguém quer ir à praia, com sua família e amigos, para correr o risco de ser assaltado, apanhar ou coisa pior. Sentiam que o Estado que, fazendo pouco para combater a impunidade, dava de ombros não só para a sua segurança, como também para a estabilidade das coisas.

Então o que era medo começou a se transformar em algo maior, mais viscoso e mal cheiroso nas conversas de bar, nos jantares de família, nas redes sociais. “Precisamos fazer algo'', “Como está não pode ficar'', “Cidadãos de bem não podem sofrer assim'', “São eles ou nós''.

São eles ou nós.

E, naquele domingo, o WhatsApp foi usado para convocar não para o vôlei na praia, mas para caçar aqueles que eram, a seu modo de ver, a origem de toda a violência. Se a polícia não faz nada, então eles iriam fazer. Em bando, tal como aqueles que promovem arrastões, atacaram ônibus com pessoas que consideravam suspeitas, espancaram jovens, construíram um novo conceito de Justiça para preencher o vazio. Ao final, comemoraram no Facebook.

E, sentindo-se empoderados, prometeram mais.

Para resolver o problema posto, o Estado fez o que está acostumado a fazer. Ao invés de atuar de incluir mais gente no pacote de dignidade, resolveu apartar ainda mais, passando a parar os ônibus que faziam o trajeto entre a periferia e a praia. Verificavam sacolas e antecedentes, não raro com a rispidez de algumas certezas não explicitadas – mas que todos sabem quais são. Em alguns casos, até proibiram jovens de descer da comunidade. O rancor foi decantando, lá no fundo.

Pois a periferia é resistente. Desde a senzala, aprendeu a aguentar mais tempo de chicotada. Até porque, na maioria das vezes, quem reclama perde o emprego, é humilhado, taxado de subversivo ou morre.

Com o tempo, o caldo de ressentimento entornou em algo mais escuro e indecifrável. Na porta dos bares, na saída das igrejas, nas redes sociais questionavam “Por que tratam a gente como bandido?'' , “Se o cara roubou, por que não leva ele preso? Pra quê tentar matar?'', “Lá eles têm vida de qualidade. Quem é daqui tem que ser tratado como bicho?''

Até que, num domingo, dois jovens negros, fazendo algazarra em uma esquina bonita após terem deixado a praia, estavam tão distraídos que nem perceberam quando um grupo se aproximou com tacos de baseball. Um deles ainda teve tempo de correr e, de soslaio, viu o amigo ser espancado no chão.

No depoimento à polícia antes de serem liberados pela ausência de flagrante, os envolvidos teriam dito que confundiram o rapaz inocente com outro que participara de um arrastão naquela tarde.

Só não revelaram que, durante o linchamento, ocorreu algo estranho. Deixaram de enxergar nele um menino de 14 anos. Viam em seu rosto a correria dos que fazem assaltos na areia e do medo de sair à noite sem sem incomodado. Mas também a crise econômica que fez com que trocassem os filhos de escola, toda aquela corrupção que passa na TV com o dinheiro dos seus impostos e uma série de frustrações do dia a dia – da namorada que o acha um inútil, passando pelo emprego bizarro ao time de futebol que estava para cair de divisão. Um dos agressores até viu até o rosto da ingrata Maria, que era “quase da família'' mas, de repente, resolveu ir embora para, segundo ela, ir trabalhar em algo que pagasse melhor. A verdade é que, em determinado momento, não sabiam mais porque estavam batendo, mas todo aquele ódio irracional fazia mais sentido do que o mundo que nunca conseguiram, de fato, compreender.

Aquela imagem do pouco que restou do menino correu as mesmas redes sociais que foram usadas para organizar a caça naquela tarde, registrada por um curioso que passava por lá – sempre há um celular com câmera por perto. Ganhou o mundo com a mesma rapidez que a de um garoto refugiado que morre em uma praia.

Principalmente, ganhou a periferia. E, por lá, estalou algo que nunca havia estalado antes. Não daquele jeito, não daquela forma.

Faltava apenas uma faísca.

E, no dia seguinte, não houve trânsito, não houve criança na escola, não houve praia, não houve loja aberta ou banco funcionando, não houve engravatado ou engraxate, não houve empregada doméstica ou motorista, não houve transporte público ou avião decolando, não houve polícia, não houve governo, não houve segunda-feira.

E ninguém sabe se ainda haveria Olimpíadas. Ou mesmo um Rio de Janeiro.


quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A catilinária aguda de Paulo Henrique

por Mino Carta e Sergio Lírio
revista Carta Capital


Paulo Henrique Amorim, jornalista de longo curso aos 73 anos, provou seu farto talento no vídeo e no papel impresso. Primeiro correspondente de Veja em Nova York em 1968, editor de Economia da semanal anos depois, diretor de redação na Examequando ainda na Editora Abril, enfim diretor do Jornal do Brasil em tempos de vento favorável a bafejar a baronesa e seu genro Nascimento Brito. No vídeo, como diretor do escritório nova-iorquino da Globo, passou também pela Bandeirantes e agora surge na Record, enquanto produz o blog Conversa Afiada, de grande êxito. No momento, cuida do lançamento do seu último livro, O Quarto Poder – Uma outra história. E é desta história que se fala na entrevista a seguir.

CartaCapital: Do alto da sua larga experiência, selecione as cinco figuras mais daninhas para o País, as mais negativas na história que você viveu, à parte ditadores, torturadores, políticos coniventes etc.

Paulo Henrique Amorim: A mais daninha, levando em consideração também a minha experiência pessoal, é Daniel Dantas. Porque ele conseguiu disseminar o câncer, ele contaminou o tecido de todo o sistema brasileiro, Judiciário, Legislativo e Executivo. Levando também uma boa parte dessa doença, dessa malignidade, ao jornalismo. Outro que eu elegeria é Fernando Henrique Cardoso, porque ele é um caso exemplar de hipocrisia, de tartufismo.

Ele tem o desplante de se transformar em um Catão, a despeito de sua biografia totalmente maculada. Ele saiu da Presidência da República sendo professor aposentado e funcionário público, dono de uma fazenda em Minas Gerais, e tem um imóvel em Higienópolis incompatível com a renda dele. Essa história de que se tornou um palestrante para cobrar 50 mil dólares por conferência, fora o jatinho da secretaria, do segurança, isso tudo pode ser uma boa maneira de lavar dinheiro.

Outra figura que considero nefanda é José Serra. Ele tem mais de 50 anos de vida pública e nunca teve uma ideia original. Não é engenheiro, não é economista, não é nada, é produto única e exclusivamente da poderosa blindagem que a mídia em São Paulo garantiu aos tucanos. Serra fugiu enquanto muitos outros ficaram por aqui para resistir e alguns foram para a luta armada. Do Chile, onde se asilou na Embaixada da Itália, casou-se com uma Allende, e acabou, por mecanismos que a gente não sabe até hoje, por parar na Universidade Cornell nos Estados Unidos.

CC: Serra teve alguma relação com Daniel Dantas?

PHA: Teve no processo da Privataria Tucana. A irmã de Daniel Dantas é, ou foi, sócia da filha de Serra em Miami, em uma empresa de lobby. Serra está envolvido em todas as atividades suspeitas realizadas pelo tucanato. Segundo depoimento do próprio FHC, foi quem levou o governo tucano a vender a Vale por um valor inferior ao que a empresa tinha em caixa. Agora reeleito senador, a primeira coisa que ele faz é propor a entrega da Petrobras.

CC: Vamos à quarta figura.

PHA: Roberto Marinho. Orgulho-me ao dizer que este é o primeiro livro capaz de tratar Roberto Marinho como ele há de ser tratado. Até agora, só houve livros que foram bajulação rasteira. Meu livro conta que a certa altura da minha carreira na Globo eu denunciei uma roubalheira perpetrada no Instituto Brasileiro do Café (IBC), reduto, aliás, de bandalheiras variadas. E denunciei uma delas, chamada Operação Patricia. Foi uma operação em que o IBC bancava uma cotação do café, e, se essa cotação caísse, os operadores de café não pagavam nada, era o IBC que pagava para eles. Uma safadeza descomunal.

Fiz a denúncia na minha coluna no Jornal da Globo. Uma vez eu disse a Roberto Marinho que tinha uma coluna no Jornal da Globo e ele retrucou: “A coluna não é sua, é do Globo”. Aquela foi apresentada por um repórter que fez a passagem de bloco da seguinte forma: “Paulo Henrique Amorim denuncia um roubo no IBC”. Eu havia escrito rombo. Roberto Marinho mandou me chamar e pelo telefone me demitiu, porque eu não estava “adaptado ao jornalismo da Globo”. Depois eu soube que ele e um dos seus principais mentores, o Jorge Serpa, tinham interesse no IBC. Mais tarde, averiguei que Roberto Marinho recorrera ao SNI para saber quem tinha sido a minha fonte.

CC: E como se deu o desastre da TV Montecarlo?

PHA: Outra história do livro. Passo por uma entrevista que fiz com Bettino Craxi,
líder do socialismo italiano, que mais tarde seria abatido pela Operação Mãos Limpas. Craxi havia arrumado uma sinecura, passara a formulador da política da ONU para os países endividados, e eu estava fazendo um documentário sobre a dívida externa dos países emergentes. E lá fui, e o Bettino Craxi: “Ahhhh! Você trabalha na Globo! Ahhhh, aqueles meninos queriam enganar o Berlusconi, ma che ingenuità”. Acredita-se que Marinho perdeu ali 100 milhões de dólares...

CC: Falou-se, então, em 120 milhões...

PHA: É, por aí. Alguns dos principais assessores do ministro Dilson Funaro, tempo de Sarney, me contaram que o Roberto Marinho conseguiu do Banco do Brasil um empréstimo vultoso para cobrir a dívida contraída na aventura da Tele Montecarlo, de sorte a descontar os recursos correspondentes pelo dólar paralelo. A Tele Montecarlo saiu de graça para ele, por obra de governo Sarney.

CC: Mas o BNDES já fez coisas parecidas no tempo de FHC...

PHA: Vamos ver o quinto. Um dos maiores cretinos com quem tropecei ao longo da minha breve carreira é um senhor chamado Roberto Civita. O livro documenta o papel de Roberto Civita na construção de um grande império que militou e milita até hoje contra o Brasil. Não é à toa que Brizola dizia: “Quantos passaportes tem o senhor Civita...” Ciro Gomes me contou, recentemente, que, depois de deixar o governo do Ceará, foi para Harvard por um ano sabático, na companhia do professor Mangabeira Unger.

Aí ele foi se candidatar à Presidência da República, estava muito bem nas pesquisas, até que o Serra o detonou. Enquanto ainda estava bem, Roberto Civita o chamou para jantar na casa dele. Logo a luz foi reduzida, Ciro conta que lhe pareceu ter aportado a uma boate, era para ter um clima mais íntimo. E Civita perguntou: “Você estudou em Harvard, não é isso?” Ciro respondeu que sim. “Então podemos falar em inglês?”, disse o anfitrião.

CC: Fale de Carlos Lacerda, com quem você conviveu em alguns momentos da sua vida.

PHA: Abri o escritório da Veja em Nova York, em 1968, coincidiu com a eleição à sucessão do Lyndon Johnson. Foi uma luta feroz entre Richard Nixon, que já tinha perdido para John Kennedy, e Hubert Humphrey, líder trabalhista democrata vice-presidente de Johnson, candidato de muito boas qualidades. E aí a revista Realidade contratou Carlos Lacerda para cobrir a eleição como enviado especial. Então, convivemos durante um mês. Àquela altura, a Abril estava nadando em dinheiro e eu pude me deslocar pelos Estados Unidos com Lacerda, e com Alfredo Machado, fundador da Editora Record, amicíssimo do ex-governador.

Conversamos muito, íamos a livrarias juntos, ele dizia que a melhor coisa do mundo era comprar livros, e me contou várias histórias. E aí no fim da campanha, mais ou menos quando já se sabia que Nixon ia ganhar, o quartel-general do republicano era no Waldorf-Astoria, onde outros momentos históricos se deram, como quando Fernando Henrique ganhou o prêmio de personalidade do ano, escolhido por brasileiros que ganham dinheiro a rodo em Nova York e uma vez por ano elegem o homem do ano. E aí os brasileiros vão para lá de smoking, todos eles falando português. Surge então um pequeno problema. Eles alugam o smoking, mas pensam que não é preciso alugar os sapatos. E aí o calçado destoa miseravelmente e denuncia o smoking alugado.

CC: Como foi a cerimônia do anúncio da vitória de Nixon?

PHA: Bem, fomos para uma grande sala do Waldorf, a Ballroom. De repente chega o assessor de imprensa de Nixon, um jovem chamado Ron Ziegler, e diz: “Mister Lacerda, o presidente quer vê-lo”. E aí leva Lacerda lá para cima, para que assista ao anúncio da vitória na suíte presidencial.

CC: E que tal o repórter Carlos Lacerda?

PHA: Incansável. Ótimo faro, ele tinha um fôlego igual ao meu, e àquela altura eu tinha 25 anos.

CC: Paulo Henrique, o que os aspirantes a Carlos Lacerda no Brasil atual
não entenderam de Carlos Lacerda? O que falta para eles?

PHA: Ele era muito sofisticado, leu muito, falava um inglês americano muito bom mesmo. Não sei como, pois nunca morou nos Estados Unidos, era um dom que ele tinha. Nasceu comunista, depois se tornou um líder de direita, um golpista, mas àquela altura ele estava na Frente Ampla, com Jango e Juscelino.

CC: Foi por isso que o Estadão acabou censurado, seguiu o Lacerda até o fim.

PHA: Eu evoco no livro um jantar com Lacerda no restaurante de um hotel suíço. No meio da conversa, eu disse que Jango mancava por causa de um tiro. Aí Lacerda falou: “Não, aquilo ali foi uma gonorreia mal curada”. Aí eu disse: “Mas como, governador?” E ele: “Eu sei, hoje sou amigo do homem”. E aí, emocionado, disse ter passado a admirar Jango, que o recebera em sua casa de Montevidéu, depois de tudo o que ele, Lacerda, fizera para desmoralizá-lo.

Toda essa cortesia exigia um caráter excepcional. Lacerda contou que, durante a visita, Jango chamou os filhos, João Vicente e Denise, para cumprimentar “o governador”. Lacerda já tinha cumprimentado dona Maria Teresa. Aí Jango disse aos filhos para ir lá dentro buscar os cadernos para mostrá-los a Lacerda, e disse: “Veja, governador, meus filhos estão aprendendo a ler em espanhol”. Bom, não é? Muito bom.

CC: Voltemos a Daniel Dantas. Por que continua impune?

PHA: Ele foi capaz de corromper todos os partidos. Acho que Dantas é a prova provada de que a democracia no Brasil é de fachada. Mas ainda ouviremos falar dele.

CC: Por quê?

PHA: Porque ele participou da Privataria Tucana, está comprovado. O livro de Rubens Valente demonstra de forma insofismável que ele tem uma participação decisiva nas decisões do ministro Gilmar Mendes, e que ele chantageou Fernando Henrique Cardoso, quando presidente. Ele manobrou Serra, como esclarece Valente. E chegou ao PT.

No livro de Rubens Valente surge também João Vaccari, na compra da Brasil Telecom pela Oi, e isso vai explodir. Porque a BrOi vai quebrar, e vai ter uma intervenção e o podre vai aparecer. E foi o PT que mudou a lei para a Brasil Telecom poder ser comprada pela Oi. Esses são os documentos da história. Lula mudou a composição da Anatel, Sarney indicou uma pessoa de sua confiança para a diretoria, e com isso mudou a jurisprudência da Anatel que permitiu a BrOi.

CC: E na verdade já era para DD ter aparecido no chamado “mensalão”.

PHA: Pois apareceu. Mas o ministro Barbosa sumiu com Dantas! Ele está no “mensalão” tucano, ele está no “mensalão” do PT, ele está em todos os mensalões, e continua operando.

CC: E o disco rígido do Opportunity, apreendido pela PF por ocasião da Operação Chacal?

PHA: Sim, durante a Operação Chacal. E teve uma decisão histórica da ministra Ellen Gracie, aquela de lábios delgados, que não deixou abrir o disco rígido, porque Daniel Dantas não é Daniel Dantas, mas Daniel Dantas. Isso, mais do que tudo, é um haicai, é um poema. E Gilmar Mendes entrou para a história da magistratura universal porque ele deu em 48 horas dois HC cangurus para Dantas depois da Operação Satiagraha. 

O Dantas não é nada, é um pseudobanqueiro, porque o Opportunity não e um banco, Opportunity é um nome fantasia, começa por aí. Então, em 48 horas ele foi direto ao Supremo, passou por todas as instâncias inferiores e conseguiu dois HC. Já o ministro Joaquim Barbosa foi duríssimo com o biliardário Genoino, mas com o Dantas ele foi muito gentil. O Dantas está em toda parte. Uma capa histórica de CartaCapital disse tudo. E ele é ainda o dono do Brasil, mas isso estará em meu próximo livro. Este que estou publicando termina no dia da segunda eleição de Lula, quando o eleito me telefona para dar os parabéns por ter desvendado a maracutaia da edição do Jornal Nacional, foi uma vingança, disse ele, que depois João Santana me explicaria melhor. Assunto: a democratização da mídia. Essa conversa com João Santana jamais ocorreu.

CC: E o próximo livro?

PHA: Estou começando a escrever outro, chama-se Não me Calaram. É a história das minhas batalhas judiciais, porque fui processado tantas vezes, qual é a origem de cada um dos processos.

CC: Ali se falará também do colega Attuch?

PHA: Eu acho que esse rapaz fugiu do Brasil, depois de aparecer na Lava Jato, em uma situação muito complicada. Então talvez esteja velejando entre a Córsega e a Sardenha, que é o roteiro agora da preferência do Fernando Henrique Cardoso.

CC: Com o iate de quem?

PHA: Suspeito que seja de um brasileiro chamado Jovelino. Ele tem um apartamento na Avenue Foch, em Paris, que o Fernando Henrique usa com muita frequência. Jovelino Mineiro, que foi quem ficou com a fazenda do Fernando Henrique em Minas Gerais.

CC: No livro, você fala muito de outro colega, Paulo Francis.

PHA: Ele foi meu colega na TV Globo, em Nova York. Naquela época colunista da Folha de S.Paulo, cobria a negociação da dívida externa. E a Folha dava seguidas manchetes graças a ele. Dizia Francis: “Eu estive com um banqueiro, banqueiro!” O banqueiro com quem ele conversava, eu revelo no livro, é outro colega, o Pimenta Neves, o que matou a namorada. O Pimenta era um personagem subalterno do departamento de imprensa do Banco Mundial, onde militava contra o Brasil. O banqueiro do Francis era o Pimenta. Ou então o Régis, um produtor no escritório da Globo que entendia muito de futebol americano.

Ele ia às coletivas dos comitês dos bancos e ouvia aqueles negócios de subprime e CAP, aquela linguagem de banqueiros, e de volta cuspia aquilo tudo de uma forma desorganizada. E o Francis: “Estive hoje nos comitês dos bancos credores”. Mas falo de mais colegas. No livro apresento o que chamo de lista de Schindler ao contrário. É o seguinte: no dia 2 de abril de 1964, Roberto Marinho fez um editorial no Globo, dizendo: Ressurge a Democracia. Poucos dias depois, ele publica a lista de Schindler ao contrário. É a relação dos intelectuais que tinham acabado de assinar um manifesto a favor de Jango e Roberto Marinho pede a ação da polícia para impedir a propagação das ideias daqueles homens. Ali estavam Cacá Diegues, Arnaldo Jabor, Paulo Francis etc. etc. Iam ser cremados na Auschwitz de Roberto Marinho.

CC: Alberto Dines não figurava?

PHA: Alberto Dines escreveu um livro memorável que ilustra a literatura política brasileira, enaltecendo o golpe de 64: Os Idos de Março. Título de uma originalidade acachapante.

CC: E agora, como anda o Brasil?

PHA: O Brasil vai viver mais três anos e meio deste governo alquebrado, desfigurado, e a direita vai perder de novo em 2018. Ou é Lula, ou quem ele apoiar. Lula é o árbitro.

CC: Dá para extrair algumas lições importantes dessas marchas todas, sobretudo a do dia 16?

PHA: Olha, Mino, um político carioca, aliás, eu não concordo muito com as ideias dele, mas que teve uma frase muito boa: “O PT tirou a direita do armário”. A direita ficava escondida no armário, não se assumia, era feio dizer que se era de direita, e agora é isso aí. Então, essa última marcha é igual a todas as outras.

CC: Você disse que teve muita dificuldade para publicar este livro, foi isso?

PHA: Eu fiz uma primeira versão, ofereci a seis editores, que não gostaram da ideia, porque provavelmente mexe com Roberto Marinho, e aqui no Brasil só há quatro ou cinco cidadãos que peitam Roberto Marinho. Eu sou do tempo em que a gente anotava à mão. Há anotações muito interessantes. Uma a respeito de Fernando Henrique em visita oficial aos EUA. No último dia, no saguão principal da sala de convenções do hotel em que se hospedava, ele deu uma entrevista coletiva.

Ao centro da mesa, à sua direita, Antonio Carlos Magalhães, presidente das Comissões de Relações Exteriores do Senado, à sua esquerda Franco Montoro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. E aí Eliane Cantanhêde pediu que FHC comentasse a declaração de seu ministro Sérgio Motta, divulgada naquele dia na imprensa brasileira , sobre o Programa Comunidade Solidária, de dona Ruth Cardoso, a primeira-dama.

Sérgio Motta havia dito: “Essa masturbação sociológica me irrita”. Fernando Henrique rodou, rodou, rodou, não disse nada, e a coletiva acabou. A caminho da saída, aproximei-me de ACM e comentei: “Ele não defendeu a mulher”. Aí o ACM, em tom mais elevado para que os jornalistas ouvissem: “Quem é do governo não pode criticar o governo”. Puxou-me pelo braço e me levou em direção à limusine. Já na porta ele recua e diz no meu ouvido: “Você sabe qual é a relação do Serjão com ele, não? É de cafetão”.


terça-feira, 25 de agosto de 2015

Uma boa aula de mau jornalismo



Existem muitas maneiras de se ensinar a fazer bom jornalismo. Uma delas, sem dúvidas, é ensinar como se faz o mau jornalismo. Esse é um ponto chave do livro de Umberto Eco Número zero, que se converte, ou converterá, em um manual de como não se deve fazer um jornal, por exemplo. Evidente que concordamos que notícias e verdades não são a mesma coisa quando estão isoladas, como disse Walter Lippmann em Opinião Pública, assim como mentiras e notícias não devem ter relação.

O mais novo livro de Eco se passa em 1992, quando as novas tecnologias passam a despontar e as incertezas do futuro do jornalismo passam a ser certezas inverossímeis e históricas, das que dizem que uma mídia acabará com a outra. O livro se passa em Milão e suas vielas e é ambientado na redação de um futuro jornal, que trará aos leitores o amanhã na edição de ontem, “com artigos aprofundados, suplementos investigativos, previsões inesperadas”. Quem conta a história é o ghostwriter Colonna, que trabalha diretamente com o editor-chefe da publicação, Simei, que na primeira reunião de redação explica o que vem a ser um “número zero”:

“Um número zero pode ter a data que se quiser e pode ser perfeitamente um exemplo de como teria sido o jornal meses antes, suponhamos, quando a bomba explodiu. Nesse caso já sabemos o que terá acontecido, mas vamos falar como se o leitor ainda não soubesse. Portanto, todas as nossas indiscrições terão gosto de coisa inédita, ouso dizer oracular. Ao cliente, nós deveremos dizer: veja como teria sido o Amanhã se tivesse saído ontem. Entenderam?”

Basicamente, os jornais contam as histórias de ontem no amanhã e não ao contrário. O que faz o jornal Amanhã ser um exemplo de mau jornalismo não é necessariamente o fato de tentar contar os fatos de amanhã na edição do jornal de ontem, mas sim, a maneira pela qual se objetiva alcançar esse feito que, além de tudo, ignora o presente. Difamar, chantagear e prestar serviços duvidosos a um proprietário confidencial, através da fofoca e da insinuação, caso algum leitor ou jornal tente desmentir os “fatos” publicados. “Insinuar não significa dizer algo preciso, serve só para lançar uma sombra de suspeita sobre o desmentidor”, ensina Simei.

Nem tudo que se lê em jornal é verdade

A composição do personagem Simei é meramente ética, descaracterizando os históricos personagens de jornalistas na literatura e no cinema e os jornalistas que carregam sua função social pendurada no pescoço. Porém, esse personagem se aproxima da realidade e de alguns perfis de jornalistas da vida real que carregam essa mesma função, juntamente com o código de ética da profissão, nos bolsos. Para ele, insinuar ter documentos e dados de uma fonte que não existe é menos cafajeste que admitir que o jornal não verificou as fontes com o rigor e a objetividade que guiam o trabalho jornalístico, e o processo de noticiabilidade.

Tirando Colonna, que entra no jogo consciente das regras e sabendo detalhes que os demais não sabem, a única que fica atônita com tantas lições diárias de mau jornalismo é Maia Fresia, a única mulher da redação, que conta com seis redatores. Maia questiona os métodos e modo de operação do Amanhã, mas segue o sistema pelo fato real de necessitar do emprego e de se “submeter” ao sistema. Maia é uma vítima de uma redação sensacionalista e sem ética, mesmo sendo ela a responsável por produzir ‘notícias’ de paparazzi, e outras futilidades. Assim como na vida real, o mercado dita as regras.

Inicialmente serão produzidos 12 números zeros com datas escolhidas propositalmente de acordo com o que ocorreu dois dias depois. Nessa parte do livro, é possível associar a redação doAmanhã ao Ministério da Verdade, do livro 1984, de George Orwell, responsável por criar as mentiras estatais do país Oceania, governado pelo Grande Irmão, além de mudar as datas dos fatos, apagar notícias já publicadas, e jogar no buraco da memória pessoas que se tornaram inimigas da “revolução”. O que Orwell imaginou em 1949 acontece com alguns portais e blogs que editam a data e a hora para insinuarem que publicaram as notícias primeiro que a concorrência, ou editam/corrigem seus erros de verificação depois de publicados. Exemplos não faltam.

No plano de fundo das edições que serão produzidas, há um assassinato e a tentativa de desvendar uma teoria da conspiração que diz que Benito Mussolini não foi assassinado ao fim da Segunda Guerra Mundial, mas que se refugiou no Vaticano e se auto-exilou na Argentina à espera de um futuro golpe militar anos depois. O personagem que reúne dados e investiga esse “fato” é Braggadocio. Nesse momento, o personagem flerta com o bom jornalismo investigativo, tentando provar as suposições e hipóteses levantadas como diz o manual, com bravura e rigor, sem medo das consequências que esse fato pode trazer para a história, para sua vida e para os demais redatores do Amanhã, a quem chamar de jornalistas beira a ofensa aos profissionais da área.

Número zero é uma aula de mau jornalismo tão importante de se aprender como as melhores classes de bom jornalismo que se há. O importante de se conhecer as coisas malfeitas reside no fato de não voltar a repeti-las. Assim como em As ilusões perdidas, de Balzac, onde Lucien de Rubempré ascende e cai em desgraça, a lição é ética e moral, imprensa e jornalista, respectivamente, Número zero nos ensina o que já sabemos, ou deveríamos saber: que nem tudo que se lê em um jornal é verdade, apesar de que verdades e notícias coincidem quando sinalizadas e trazidas à luz por um farol no meio do mar, tirando fatos da escuridão e trazendo-os para a claridade, sendo, ou devendo ser, a imprensa o farol da realidade. Se ao trazer fatos à claridade sem pô-los em relação um com outro e não fazendo uma imagem da realidade “com base na qual os homens possam atuar”, notícias e verdades não se relacionam e se tornam, na verdade, um número zero.

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Bruno H. B. Rebouças é jornalista e doutorando em Jornalismo


terça-feira, 18 de agosto de 2015

A desmobilização nas redes sociais

Por Maíra Bittencourt
Observatório da Imprensa
 


Segundo a Polícia Militar, em março, o número de manifestantes que participaram dos protestos em todo Brasil foi de 1,7 milhão. Agora, em agosto, foram apenas 612 mil. O número da última manifestação representa 36% da população da primeira. Mas qual a causa dessa queda tão brusca? A hipótese que levanto aqui é que, com o drástico enfraquecimento das discussões e articulações nas redes sociais (espaço que era por excelência a grande ágora de estímulo), as ruas também se esvaziaram. Abaixo perpasso o trajeto desse raciocínio.

Para começar façamos um breve resgate histórico do início desse processo. Desde o ano de 2013 inflamou-se no Brasil um estranho processo de mobilização social. Multidões tomaram as ruas, por diversas vezes, clamando por mudanças nas estruturas econômicas, políticas e sociais. Neste ano de 2015, as manifestações ganharam um caráter mais partidário e de oposição direta ao governo federal. Porém, o grande discurso sempre foi de que esses protestos partiriam do povo e não possuiriam vínculo partidário. As pessoas se sentiam chamadas a participar porque acreditavam que estavam integrando um movimento sem bandeiras que clamava por um Brasil melhor. Esse movimento teria sua sede apenas nas redes sociais.

Pouco a pouco esse conceito foi se esvaziando nas mentes e nos discursos sociais. Em março os partidos de oposição declararam apoio às manifestações. Mas seus líderes não participaram dos eventos. Já agora, em agosto, os partidos se utilizaram inclusive de seus espaço na televisão e no rádio para convocar a população para os protestos. Seus principais líderes também estiveram presentes nos atos públicos. Na contramão dessa institucionalização dos protestos o que se percebeu foi que, quanto mais os protestos ganhavam legitimação dos velhos conhecidos (como os partidos de oposição e as mídias tradicionais) menos intensas ficavam as discussões do povo sobre a temática e o engajamento da população nas redes sociais.

Essas hipóteses estão baseadas nos números de interação observados nas páginas do Facebook dos principais movimentos que encabeçam as manifestações: “Movimento Endireita Brasil”, “Movimento Vem Pra Rua Brasil”, “Movimento Brasil Livre” e “Revoltados Online”, todos com presença expressiva em ambos protestos [neste último protesto também esteve fortemente presente o Movimento Liberal Acorda Brasil. Mas não foi possível a realização do comparativo desse pelo fato de ter surgido, enquanto página do Facebook, após as manifestações de março].

Os gráficos a seguir mostram um comparativo entre os sete dias anteriores às manifestações de março e agosto [períodos de 08/03/2015 a 15/03/2015 e 09/08/2015 a 16/08/2015], respectivamente. O domingo de manifestação também está contemplado em cada um deles. Os aspectos observados foram o engajamento quanto a “comentários”, “curtidas” e “compartilhamento” de conteúdo. O Facebook foi escolhido como espaço de observação por ter sido apontado pela própria população de manifestantes como o grande espaço de convocatórias para os eventos [segundo pesquisa intitulada “Mobilização Social e Líderes Midiáticos” realizada pela própria autora com 601 pessoas nas cinco regiões brasileiras].

Gráficos mostram participação de grupos

Gráfico 1. Comparativo de engajamento na página Movimento Endireita Brasil

Fonte: Pesquisa realizada através da ferramenta de monitoramento de páginas FanPageKarma.

Gráfico 2. Comparativo de engajamento na página Movimento Vem Pra Rua Brasil

Fonte: Pesquisa realizada através da ferramenta de monitoramento de páginas FanPageKarma.

Gráfico 3. Comparativo de engajamento na página Movimento Brasil Livre

Fonte: Pesquisa realizada através da ferramenta de monitoramento de páginas FanPageKarma.

Gráfico 4. Comparativo de engajamento na página Revoltados Online

Fonte: Pesquisa realizada através da ferramenta de monitoramento de páginas FanPageKarma.

População já percebeu discurso enganador

Na página “Endireita Brasil”, apresentada no gráfico 1, a queda de participação entre março e agosto foi de 95%; no gráfico 2, do “Movimento Vem Pra Rua” foi de 5%; no gráfico 3, do “Movimento Brasil Livre” foi de 47%; e no gráfico 4, do Revoltados Online, a queda foi de 71%.

Não há um percentual único nas reduções observadas nas quatro páginas. Alguns foram bastante expressivo, outros nem tanto. Mas o que se pode afirmar é que em todos os casos ocorreram reduções. É a esse esvaziamento das discussões nas redes sociais que credito a redução da população nas ruas.

Os protestos, que aparentemente tinham em sua matriz o movimento livre e popular via internet, passaram a ser articulados da mesma forma que outrora diversos outros já foram. Esse retorno ao mesmo modelo e o enfraquecimento do que era o grande trunfo da atualidade fez com que milhares desistissem do processo. Enquanto isso, os líderes dos movimentos e partidos, seguem tentando gritar pelas ruas que as manifestações são apartidárias e sem bandeiras. Mas parece que a população já percebeu que esse discurso não bate com o divulgado via propagandas partidárias.



terça-feira, 11 de agosto de 2015

Golaço de Romário, pisada na bola de “Veja”



O “baixinho marrento”, senador de primeira viagem, conseguiu o que políticos poderosos e experientes raramente alcançam: um humilde “mea culpa” (“Veja”, 12/8, pg. 70) da campeã nacional de onipotência e a coluna inteira da Ombudsman/Ouvidora da “Folha” (Folha, 09/08, A-6), Vera Guimarães Martins a seu favor.

Armas do craque: convicção de inocência e a coragem moral para enfrentar a calúnia.

Com o semanário ainda nas bancas mostrando suposto facsímile de uma conta secreta num banco suíço (BSI), Romário comprou um bilhete para Genebra e lá obteve do banco a garantia de que aquela conta e aquele saldo (equivalente a quase oito milhões de reais) não eram dele.

E no lugar de entrar com uma ação judicial de reparação preferiu começar com algo mais simples, imediato, arrasador: usou a tribuna do Senado Federal para gozar a “barriga” da ex-toda-poderosa derrubadora de presidentes: “Acabo de ser informado que não sou um milionário, ao contrário do que afirmou a revista”. Em seguida entrou com uma ação indenizatória no valor de 75 milhões de reais.

Inacreditável a explicação do Diretor da Redação da revista, Eurípedes Alcântara, à ombudsman da “Folha”: o jornalismo funciona como uma montadora de veículos. “Elas dependem de fornecedores. Nós dependemos das fontes. Quando um fornecedor entrega um lote de peças defeituosas, a montadora faz imediatamente um recall. Não adianta limitar-se a culpar o fornecedor. O reconhecimento rápido, público e sem rodeios do erro equivale ao recall das montadoras. O leitor confia em nós, não em nossas fontes.”

A metáfora do recall é cavilosa, mais do que isso – é aterradora. Pressupõe uma inocência e uma ingenuidade que um serviço com fé pública como o jornalismo não pode alegar sob hipótese alguma. Não estamos falando de peças defeituosas, facilmente substituíveis. Estamos falando de honra e integridade, bens preciosos, insubstituíveis.

Tentar transferir às fontes a responsabilidade por um crime é um artifício diabólico. Lavar as mãos num caso destes e com tamanha leviandade, é amoral. A responsabilidade foi de quem não quis ou não tem grandeza para averiguar a veracidade da informação. E, sobretudo, de quem não está a altura de ocupar uma função historicamente associada à decência, respeito humano e integridade.

“Veja” está em escombros, essa é a dolorosa verdade. Voltou às antigas instalações na Marginal Tietê na vã esperança de lá reencontrar a dignidade perdida. Não adiantou. A peça defeituosa já não está disponível no mercado – fora de linha. O recall neste caso exigiria a troca do responsável pela linha de montagem. Caso contrário é blefe.


segunda-feira, 3 de agosto de 2015

A teoria do pinto



Uma das teorias sobre o começo da civilização é a teoria do pinto exposto. Quando os primeiros hominídeos desceram das árvores e foram viver na savana, uma das consequências de andarem eretos e terem que se espichar para pegar as frutas foi que seus órgãos sexuais ficaram expostos ao escrutínio das fêmeas. Estas poderiam organizar uma sociedade baseada na sua observação da novidade, dando o poder aos mais potentes, ou mais bem aparelhados, o que inviabilizaria um tipo de hierarquia baseada na inteligência, na habilidade como caçador e provedor, na liderança, nos belos olhos ou em qualquer outra qualidade do macho. As fêmeas também escolheriam parceiros sexuais entre os visivelmente mais bem dotados, o que decretaria o fim da linhagem dos pintos pequenos, que nunca se reproduziriam.
Para evitar que isto acontecesse, os machos tomaram providências, começando por tapar suas vergonhas. A civilização começou pelas calças, ou o que quer que pudesse ser usado como tapa-sexo nas savanas. E os machos trataram de desviar a atenção do tamanho do pinto, inventando a linguagem, o fogo, a roda, a escrita, a agricultura, a indústria, a ciência, as guerras e todas as afirmações masculinas que independem do tamanho do pinto. Tudo, de um jeito ou de outro, extensão da primeira calça.

*
Assim, a civilização começou como um disfarce, para roubar da fêmea o seu papel natural de guia da espécie, escolhendo o reprodutor que lhe serve pelo pinto e não por suas poses ou poemas. Toda a nossa cultura misógina vem do pavor de que a mulher retome seu poder pré-histórico e, não sendo nem prostituta nem nossa santa mãe, tire nossas calças. 

*
A supervalorização da virgindade como havia até pouco tempo e a estigmatização civil do adultério como ainda consta da lei brasileira são tentativas de garantir que a mulher só descubra o tamanho do pênis do marido quando não puder fazer mais nada a respeito.

A própria discriminação da mulher no mercado de trabalho é para lembrar as fêmeas do seu lugar subalterno na civilização dos homens. Lembrá-las de quem usa as calças.

Independentemente das teorias, a virgindade é um tema para muitas divagações. Ninguém, que eu saiba, ainda examinou a fundo, sem trocadilho, todas as implicações do hímen, inclusive filosóficas. Já vi o hímen - que, salvo grossa desinformação anatômica, não tem qualquer outra função biológica a não ser a de lacre - descrito como a prova de como o Universo é moralista. Levando-se em conta a dor do defloramento e mais as agruras da ovulação e do parto em comparação com a vida sexual fácil e impune do homem - cujo único trabalho num parto é impregnar a mulher e depois ficar numa sala de espera da maternidade, lendo uma Caras antiga - a misoginia do mundo é evidente. Mas em comparação com o que a mulher, historicamente, sofreu numa sociedade dominada por homens e seus terrores, o que ela sofre com a Natureza é pinto. Com trocadilho.


domingo, 2 de agosto de 2015

A debandada oportunista


...e estamos nessa belíssima República Democrática Acefálica e me vem à reflexão esse, hoje, desesperado engajamento de uma parte da classe artística (televisiva, principalmente) à senhora que está tomando uma rajada de calúnias e tiros blasfêmicos de tudo quanto é lado (televisiva, principalmente, pois endossa as monstruosidades criadas por revistas partidárias, partidos golpistas e blogues limpinhos). Penso nisso com surpresa, primeiro por estar pensando nisso, e desgosto, pois os mesmos que hoje gritam eram os calados de ontem; alguns, inclusive, opositores. Mas como acho melhor ser uma metamorfose ambulante do que ter àquela velha opinião formada sobre tudo, seguro o meu ímpeto de justiçar e dou um pouco de crédito aos decrépitos. 
Por que a troca de lado? É o que me pergunto. Por que ir, agora, de encontro ao patrão?
Acho que alguns começaram a perceber que o destilamento de tanto ódio e desinformação está moldando uma massa definitivamente perigosa, de direita extrema e sem nenhum compromisso com o respeito ao discordante e com a tão nova e cara democracia. Alguns começaram e perceber que a história registrará tudo e quem estiver do lado errado pode ter o seu nome engolido na perversa e isenta posteridade. 
Não é que agora concordem com a dama suja de ovos de serpentes atirados por demônios, mas percebem que atirar ovos na dama pode manchar seus nomes tão nobres e cheirosos. 
Ter seus sobrenomes associados à loucos do tipo silas, jair, eduardo, neves, e coisas mais bizarras como olavo, azevedo, diogo, (meus deus!) lobão, é como pegar anos de trabalho duro e respeitabilidade midiática e colocar na privada, junto à carteira de trabalho e à pulseirinha vip. Se dessa asneira coletiva vir o golpe, então... pela-mor! Vai dar burro com 30
Não é o caso de todos, claro, generalizar é embriagar com a cachaça dos outros, mas que tem uma porção boa de gente que, depois de inflar esse peido fedido, agora diz: que merda, hein?, ah, isso tem. Porção gostosa de boteco da Lapa. É o Rio 40 graus.
E agosto está começando...







quarta-feira, 29 de julho de 2015

Quando montanhas de livros forem queimadas nas ruas, você sentirá remorso?


http://rabi-rabix.blogspot.com.br/2012/01/o-saber-na-fogueira.html
Antes, se alguém me mostrasse uma imagem de pessoas enlouquecidas em torno de montanhas de livros em chamas, eu me lembraria de “Fahrenheit 451″, de François Truffaut (1966), baseado na obra de Ray Bradbury.

No filme, livros são proibidos, sob o argumento de que tornam as pessoas infelizes e improdutivas. Quem lê é preso e “reeducado''. Se uma casa tinha livros, “bombeiros'' eram chamados para queimar tudo.

Hoje, se me mostrassem uma imagem assim, logo me perguntaria: onde desta vez? Algum grupo fundamentalista islâmico, cristão ou judeu? Interior dos Estados Unidos? Neonazistas europeus? África? Coreia do Norte? China? São Paulo, Rio ou uma grande cidade brasileira?

Um casal de amigos conta que circulou na lista de WhatsApp de seus filhos mensagens sugerindo que jogassem fora os livros “comunistas'' de seus pais. Relatos de pessoas que foram assediadas por carregarem livros de Marx e, principalmente, Gramsci não são raros na rede.

No dia 10 de maio de 1933, montanhas de livros foram criadas nas praças de diversas cidades da Alemanha. O regime nazista queria fazer uma limpeza da literatura e de todos os escritos que desviassem dos padrões impostos. Centenas de milhares queimaram até as cinzas.

Einstein, Mann, Freud, entre outros, foram perseguidos por ousarem pensar diferente da maioria. A Alemanha “purificou pelo fogo'' as ideias imundas deles, da mesma forma que, durante a Contra-Reforma, a Santa Inquisição purificou com fogo a carne, o sangue e os ossos daqueles que ousaram discordar.

A opinião pública e parte dos intelectuais alemães se acovardaram ou acharam pertinente o fogaréu nazista, levado a cabo por estudantes que apoiavam o regime. Hannah Arendt explica. Deu no que deu. E hoje vemos muitos se acovardarem diante de ondas intolerantes frente à difusão do conhecimento humano.

Colegas da imprensa me contaram histórias de membros de igrejas e templos do interior que pediram a seus fieis – após a polêmica envolvendo a divulgação do 3o Programa Nacional de Direitos Humanos – que destruíssem publicações que tratassem do tema.

Passamos tanto tempo nos preocupando em garantir que os mais jovens decorassem datas de “descobrimentos'' e locais de batalhas que não fomentamos o pensamento crítico. Muito menos mostrar a eles por que é tão fundamental aprender História.

E que História não se absorve através de apenas uma única fonte de informação, mas de várias, e que ela mesma vai mudando à medida em que temos mais elementos para reafirmar ou contrapor as antigas certezas. E de preferência, fontes que tenham passado pelo crivo de discussões acadêmicas e sociais.

Um amigo te disse que o Hocausto judeu na Segunda Grande Guerra nunca existiu? Na minha opinião, isso é um um erro grave, porque há milhões de corpos para mostrar o contrario. Mas se informe por outras fontes antes de tirar uma conclusão – livros, documentários, reportagens.

Pois verá que nem tudo é uma questão de opinião.

De acordo com o sociólogo Bernard Charlot, um saber só tem valor e sentido por conta da relação que ele produz com o mundo. Não é o livro que tem valor em si, mas o que a pessoa fará dele. Ou seja, muitos leem mal e porcamente um livro de História porque acham que não precisam dele para poder seguir sua vida. Se o debate público for mais qualificado, a pessoa se sentirá mais motivada.

Um jovem leitor (ou um perfil fake com foto de jovem leitor) postou “livros mentem, informe-se em sites''. Como se a credibilidade de um conteúdo se desse pelo veículo que o transporta e não pelas evidências que ele apresenta.

Outro escreveu “não confio na história pois a história é contada de forma parcial pelos esquerdistas (…) Lembro que a história de que comunista come criancinha é porque Lenin tomou as colheitas dos camponeses e eles passavam tanta fome que comiam suas crianças. É isso que você quer para o Brasil?‬‬‬''

Não, meu amigo. Primeiro, que apesar de algumas publicações bizarras circulando na rede com erros infantis, a história é, na maioria das vezes contada pelo vencedor. Particularmente quero que o Brasil estude História e leia, leia muito. Leia o que concorda e com o que não concorda também, mas leia fontes de informação que não sejam anônimas e que baseiem seus relatos em provas e não em suposições ou teorias da conspiração. Que são gostosas, mas burras.

Caso contrário os ETs de Roswell e de Varginha vão vir puxar seu pé à noite.

Por fim, há versões digitais das pilhas de fogo de Fahrenheit 451 e daquele maio de 1933 que têm sido verificadas por mim e por alguns colegas jornalistas dos mais diferentes matizes ideológicos. Um exemplo: “você não perde por esperar, você não vai ter mais lugar para escrever, vamos apagar tudo o que você já escreveu, não vai poder mais fazer a cabeça de ninguém''.

“Vamos apagar o que já escreveu.''

Então, tá. Enquanto isso, só nos restam duas coisas: Lutar contra a ignorância. E fazer um bom backup.


terça-feira, 28 de julho de 2015

Clarice e o presente



Em geral considerada uma escritora mística e avessa às coisas do mundo, Clarice Lispector (1920-1977) _ a voz mais singular que a literatura brasileira produziu nas últimas décadas _ foi, na verdade, uma sensível intérprete do real. Quase 40 anos após sua morte, sua obra se conserva como um poderoso instrumento de interpretação e de interrogação da realidade. Clarice escrevia para chegar “atrás de detrás do pensamento”. Desconfiava das idéias feitas, dos lugares comuns e dos consensos. Não confiava na primeira leitura, exaltada e apressada, que costumamos fazer da realidade. Também não praticava a ficção com o propósito de espelhar o mundo, mas, ao contrário, de interrogá-lo. As perguntas que nos deixou valem muito mais do que a maior parte das respostas impacientes que ainda hoje formulamos para tentar viver.

São muitas as provas de seu engajamento. Escreveu certa vez: “O escritor não é um ser passivo que se limita a recolher dados da realidade, mas deve estar no mundo como uma presença ativa, em comunicação com o que o cerca”. A literatura teria como função promover um desnudamento do real. Um desmascaramento das crenças e superstições que o encobrem e o desfiguram. A ficção de Clarice se torna muito útil em um mundo atordoado por um grande falatório, um mundo excessivo, inquieto e superficial, que se limita a deslizar _ e a tirar proveito _ sobre a face da verdade. O mundo das pessoas “cheias de si”, que simulam a posse da verdade. Nele, é útil ouvir as palavras perplexas da escritora: “Sem me surpreender, não consigo escrever. E também porque para mim escrever é procurar”. Em vez de achar (de “acreditar”), simplesmente buscar.

Não aceitar rapidamente a verdade _ eis um ensinamento insistente de Clarice. Em um mundo enfático e retórico, regido pelos consensos e pela verdade gritada, apostar nas nuanças, na dúvida, na força da interrogação. Postar-se diante do real com as mãos vazias e a mente disponível para o encontro de novos caminhos e de novas perspectivas. Saber esperar que a verdade – pequena e discreta – finalmente apareça. Clarice chegou a se interessar intensamente pelo jornalismo. Em uma crônica de 1972, ela escreveu: “Hemingway e Camus foram bons jornalistas, sem prejuízo de sua literatura. Guardadas as devidas e significativas proporções, era isso o que eu ambicionaria para mim também, se tivesse fôlego”. Unir verdade e delicadeza. Arrancar os segredos sutis que se escondem atrás da brutalidade dos fatos.

Sua obstinação em chegar ao coração das coisas levou-a a destinos longínquos. Em uma entrevista ao “Correio da Manhã”, no ano de 1972, quando a repórter lhe perguntou por que escrevia, respondeu: “Eu fiz essa pergunta a Alain Robbe-Grillet quando ele veio ao Brasil. Ele me respondeu: _ Escrevo para saber por que escrevo. Minha resposta é diferente: eu escrevo para entender melhor o mundo. É uma lucidez meio nebulosa, porque a gente não tem direito consciência dela”. Mas talvez só essa “consciência nebulosa” nos sirva para interpretar um mundo igualmente complexo e nevoento, que parece avançar muito mais rápido do que nós. 

A tecnologia dá saltos. O desenrolar dos acontecimentos é atordoante. Nossas mentes parecem pequenas demais para conter o real. Ele nos perturba e nos oprime com sua estridência. Não se enganem: a literatura de Clarice não nos oferecerá respostas prontas e imediatas. Tampouco nos trará afirmações. Estas são, em geral, enganosas e arriscadas. Pouco antes de morrer, o roqueiro Cazuza declarou ter lido Água viva, um de seus mais densos romances, 111 vezes _ e ainda não tinha chegado ao coração do livro. As respostas que Clarice oferece _ se é que podemos chamá-las assim _ são muito diferentes de soluções. Elas se limitam a lançar novas luzes, dissonantes e desconcertantes, sobre um mundo cada vez mais tenso e contraditório. Daí, provavelmente, a marginalidade de Clarice Lispector dentro de nosso sistema literário. Uns a vêem como uma filósofa. Outros, como uma bruxa. Clarice se tornou, na verdade, uma escritora inclassificável. É difícil aceitar as respostas que Clarice nos dá. Ela nos ensina que mundo é muito mais difuso, imperfeito e insano do que em geral consideramos. E que, por isso, devemos sempre pisá-lo com muito cuidado.

“A vida se me é e eu não entendo o que digo”, se lamenta, em certo momento, sua personagem G. H. Não aceita as ilusões do Eu – cheio de certezas, de empáfia, de insolência. Acredita que a humanidade está “ensopada de humanização” _ gêneros, modas, tendências, griffes _ , e isso impede o homem de chegar a si. A humanidade é risco _ e não retórica. É delicadeza _ e não intolerância. O homem não pode tudo e, por isso, deve considerar os limites estreitos de seu saber. Contudo, vivemos em um mundo repleto de “donos do saber”. Temos um grande temor à imperfeição e à limitação. A literatura de Clarice nos devolve, assim, o que perdemos em matéria de humildade e de brandura.

A aceitação da ignorância pode ser muito útil em um mundo no qual os saberes (e os poderes) se chocam, em busca de uma supremacia absoluta, na qual todas as divergências seriam anuladas. Diante dessa zoeira, Clarice propunha, é bem melhor calar-se. A amiga Olga Borelli, em um livro delicado de memórias, escreveu: “Ela possuía a dignidade do silêncio”. Calar-se, esperar, escutar _ eis a lição simples, mas dolorosa, que a ficção de Clarice nos transmite. Atitudes que parecem quase impossíveis em um mundo de falatório interminável. 

Em nosso mundo de prepotência e de violência _ sobretudo verbal _, cabe pensar na inesquecível Macabea, a protagonista de A hora da estrela, seu romance de despedida. Uma mulher não só afastada da língua, a que tem um acesso precário e turbulento, mas, sobretudo, do mundo dos significados enfáticos e das fórmulas prontas. Das verdades tempestuosas. Seu romance evoca um antigo provérbio chinês: “Diga-me e esquecerei. Mostre-me e talvez em lembre. Envolve-me e entenderei”. No lugar da palavra usada como faca, para rasgar e sangrar, a escuta silenciosa. No lugar do escândalo, a espera. Em um mundo que tende cada vez mais aos saberes pétreos e aos fundamentalismos, a leitura de Clarice se torna uma forma salvadora de respiração.


sexta-feira, 17 de julho de 2015

trituradordemundo


E demorou quase nada para os ingênuos descobrirem e os mal intencionados admitirem que o cunha é tão cunha que chega dar dó de quem falava de deus e citava o cunha ao lado de tão ilustre significância. Tem gente que merece alfafa, mas, vamos combinar?, a maioria merece aquilo que o silas continua a procurar satisfeitíssimo.
Demorou pouco, mas o estrago foi grande e, ao que tudo indica, continuará. Como já não-dizia a minha vovó: cada cachorro que chupe o seu picolé e quem tem rabo-preso que esconda o orifício na parede. Como todos tem um rabo do tamanho do viaduto que caiu em Sampa e foi tema do Aldir Blanc, esse cunha ainda vai respirar um pouco de jesus, uma raspinha de aliança e, como todos os outros abutres antes dele, será defenestrado na solidão implacável do (des)poder.
Menos uma merda? Que nada! Morre um abestado, nascem dois! E Brasília continuará viva, pois o dinheiro é muito, a seriedade é pouca e o povo ainda acha bonito chamar bandido de coronel.
Mas, olha, eu pensei que essa substância cancerígena iria durar mais. Nem os cigarros acabam assim. E quem cunhou o ladrão foi outro ladrão. O mundo não tá fácil pra ninguém ou o homem é o lobo do próprio homem.
E pra não ficar com esse papo de cunhado, cunharei outro tema: essa semana, o fazendeiro do avô, vulgo menino do rio, o cheirador mor da polícia aeroportuária, não se manifestou sobre nada relacionado à golpe algum. Estranho. Será que ele deu o golpe em si próprio? Planeja ele dar um golpe na constituição e assumir o lugar do cunha?
Não, não vou falar do menino do avô, vou falar do...

Qual é mesmo o nome do próximo escândalo que a mídia vai vomitar pra atingir o barbudo?
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Parodiando Vais, o som!